5 de dezembro de 2007

Optimismo/Pessimismo


Ontem, o meu livro de cabeceira voltou a trazer-me mais um texto que achei curioso:

Perante tudo o que se lhes apresenta, certas pessoas habituaram-se a ver sempre o lado bom das coisas, ao passo que outras, pelo contrário, só vêm o seu lado negativo.

Evidentemente, tanto umas como as outras têm razão, mas a sua maneira de ver age sobre elas de maneira diferente.

Do ponto de vista da verdade objectiva, pode dizer-se que um copo está meio cheio ou meio vazio, isso não tem qualquer importância; mas do ponto de vista do efeito produzido sobre a nossa consciência, do ponto de vista mágico, há uma grande diferença.

Ora, o essencial é precisamente o lado mágico.

Se vos habituais a ver as falhas, os defeitos, ireis mostrar-vos cada vez mais rabugentos, azedos, desanimados, porque é isso que acontece quando uma pessoa se detém nas falhas.

Essas falhas existem, é evidente, mas a questão não está aí; a questão está em trabalhardes com tudo aquilo que possuís a fim de avançardes cada vez mais na via da evolução.

21 de novembro de 2007

Pensamentos quotidianos



Na minha mesa de cabeceira tenho um livro de pensamentos de Omraam Mikhaël Aïvanhov (para quem não saiba, é um filósofo e pedagogo francês de origem búlgara que viveu entre 1900 e 1986. Foi para França em 1937).


Este livro tem a particularidade de ter um pensamento para cada dia do ano.Como é meu hábito, de manhã, ao levantar, fui ver qual era o pensamento para hoje:


"Um Mestre recebeu, um dia, a visita de um jovem que queria tornar-se seu discípulo. O ensinamento começou e, na primeira lição, o Mestre disse ao discípulo: Vai ao cemitério e insulta os mortos; ouve bem o que eles te responderem e vem dizer-me.


O rapaz foi ao cemitério e começou a passear por entre os túmulos, proferindo injúrias abomináveis... nunca os mortos de um cemitério tinham ouvido coisa assim! Pouco depois, sem saber já que mais dizer, ele parou para escutar a resposta: nada.


Ao regressar para junto do Mestre, ele viu-se obrigado a dizer que os mortos não tinham reagido. "Ah! - disse o Mestre - Talvez tenham ficado ofendidos. Vais voltar lá, mas, desta vez, vais elogiá-los, talvez eles se decidam a responder-te".


O rapaz voltou ao cemitério, mudou de tom, e fez aos mortos os mais rasgados elogios... Nada, um completo silêncio.


Verdadeiramente desiludido, o rapaz voltou para junto do Mestre: Eles continuaram a não me responder.


Então, disse o Mestre, aprende que deves ser como eles: quer te critiquem, quer te elogiem, isso não deve afectar-te, não respondas".


Nesta altura, ao terminar a minha leitura matinal, sorri, e lembrei-me, por contraste, da nossa Assembleia e dos debates televisivos.

15 de novembro de 2007

Cérebro


Realmente o nosso cérebro é uma máquina fantástica, se calhar por isso é que nós, às vezes, temos grande prazer em enganá-lo como se vê nesta imagem que não é mais que uma pintura no chão. Mas agora reparem neste estudo que me mandou o meu amigo Afonso, a quem desde já agradeço:


De aorcdo com uma peqsiusa de uma uinrvesriddae ignlsea,

não ipomtra em qaul odrem as Lteras de uma plravaa etãso,

a úncia csioa iprotmatne é que a piremria e útmlia Lteras etejasm no lgaur crteo.

O rseto pdoe ser uma bçguana ttaol,

que vcoê anida pdoe ler sem pobrlmea.

Itso é poqrue nós não lmeos cdaa Ltera isladoa,

mas a plravaa cmoo um tdoo.


Sohw de bloa


Fixe seus olhos no texto abaixo e deixe que a sua mente leia corretamente o que está escrito.


35T3 P3QU3N0 T3XTO

53RV3 4P3N45 P4R4 M05TR4R

COMO NO554 C4B3Ç4 CONS3GU3

F4Z3R CO1545 1MPR3551ON4ANT35!

R3P4R3 N155O!

NO COM3ÇO 35T4V4 M310 COMPL1C4DO,

M45 N3ST4 L1NH4 SU4 M3NT3 V41 D3C1FR4NDO O CÓD1GO

QU453 4UTOM4T1C4M3NT3, S3M PR3C1S4R P3N54R MU1TO, C3RTO?

POD3 F1C4R B3M ORGULHO5O D155O!

SU4 C4P4C1D4D3 M3R3C3!

P4R4BÉN5!


Segundo a pesquisa, SETENTA E SEIS POR CENTO da população brasileira entre 16 e 65 anos não consegue entender realmente o que lê. Portanto, se vocês conseguiram ler o texto acima, estão entre o seleto grupo que dominam a leitura.

Parabéns!

4 de novembro de 2007

Graças a Deus sou ateu


O título desta mensagem é uma frase que o meu pai costumava usar muitas vezes e que, embora me fizesse sorrir deixava-me a pensar. Ele dizia que gostava desta frase porque as pessoas que tinha tido oportunidade de conhecer na vida e que pertenciam a diferentes religiões, aquilo depois de bem visto, acabavam todos a dizer a mesma coisa.

Achei imensa graça quando, no outro dia acabei de ler o livro de Brian L. Weiss chamado "A divina sabedoria dos Mestres" e deparei com uma anexo intitulado "Valores espirituais partilhados" que dizia o seguinte:

"Passo a apresentar algumas passagens das sagradas escrituras de algumas das grandes religiões mundiais. Estas citações demonstram que, quando se transcendem os rituais de superfície e se atingem os tesouros espirituais que lhes são subjacentes, na realidade existe apenas uma só religião. Nesta secção sobre a unidade de todas as grandes religiões, beneficiei muitíssimo do livro maravilhoso Oneness: Great Principles Shared by All Religions, de Jeffrey Moses.


Responsabilidade pelas nossas acções


Budismo - É uma regra da natureza que aquilo que semearmos será aquilo que iremos colher.

Cristianismo - Aquilo que um homem semear é aquilo que ele irá colher... Deus retribuirá a cada homem de acordo com as suas acções.

Hinduísmo - Não colherás aquilo que não semeares; do mesmo modo, se plantares a árvore, ela crescerá

Judaísmo - O homem generoso será enriquecido e aquele que rega será ele também regado.


Capacidade de perdoar


Budismo - O ódio nunca é diminuído pelo ódio. O ódio só diminui com o amor - Esta é uma lei eterna.

Cristianismo - Se perdoares aos outros as ofensas que te fizerem, o teu Pai celeste também te perdoará a ti; mas se não perdoares aos outros, então as ofensas por ti cometidas não te serão perdoadas pelo Pai... "Senhor, quantas vezes me ofenderá o meu irmão e eu terei de perdoá-lo? Sete vezes? E Jesus respondeu-lhe: "Eu não digo sete vezes mas setenta vezes sete".

Hinduísmo - As pessoas de mente nobre dedicam-se à promoção da paz e da alegria dos outros - mesmo daqueles que os magoam.

Islamismo - Perdoa o teu servo setenta vezes por dia.

Judaísmo - A coisa mais maravilhosa que um homem pode fazer é perdoar o mal.

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A regra de ouro


Budismo - Não magoes os outros com aquilo que te faz sofrer.

Aquele que está cheio de amor por todas as coisas do mundo, que pratica a virtude para beneficiar os outros, somente este homem estará feliz.

Não julgues o teu próximo.

Cristianismo - Não julgues e não serás julgado... trata sempre os outros do modo como gostarias que eles te tratassem; esta é a Lei e os profetas... O portão que conduz à vida é pequeno e a estrada é estreita.

Hinduísmo - Este é o resumo de toda a verdadeira rectidão - Trata os outros, como gostarias de ser tratado.

Nada faças ao teu próximo que depois não queiras que ele te faça a ti.

O homem obtém uma regra de acção correcta se olhar para o próximo como para si próprio.

Islamismo - Faz aos outros aquilo que gostavas que te fizessem a ti; e rejeita para os outros tudo aquilo que rejeitarias para ti.

Judaísmo - Não faças ao teu próximo aquilo que te é prejudicial. Isto é a essência do Tora e o remanescente são apenas comentários.

Não julgues o teu próximo enquanto não estiveres no seu lugar.

..........................................................................................."

Eu acho que não é preciso continuar.... Como se vê todos dizem coisas muito semelhantes mas, para mim, ainda continua a ser muito importante a sabedoria popular: "Bem prega Frei Tomás, faz o que ele diz mas não faças o que ele faz."

1 de novembro de 2007

João


Algures, num monte alentejano, num dia chuvoso de Novembro, nasceu um mocetão belo e forte, no meio de uma família convencional.
A chegada desta criança era muito desejada. Os pais, moços novos e ainda apaixonados, viram naquele rapaz a bênção do seu casamento. Era um casal de uma simplicidade extrema e talvez por isso e por outras qualida­des que o parzinho apresentava, foi um casamento visto com muito cari­nho, por toda a gente.
Com a chegada do João (foi assim que os pais resolveram chamar-lhe) toda a gente que já via aquele casal com um certo carinho viu esse carinho ser aumentado com aquele nascimento.
Tanta ternura, tanto carinho, tanta devoção, tanto medo de errar em qualquer coisa que pudesse vir a prejudicar a saúde do seu rebento. Mas não, tudo correu bem e, com o andar dos anos, foi surgindo, rodeado do carinho da família e de mais alguns irmãos, um rapazote traquinas, muito curioso, muito perguntador, querendo saber e perceber tudo o que o rodeava.
Chegou o tempo de ir para a escola e o nosso amigo João, pela mão da mãe, lá foi conhecer a D. Maria do Rosário, sua professora.
Lá no fundo, no fundo daquele coração pequenino, estava um medo curi­oso para conhecer o que lhe iria surgir pela frente e, com muita estra­nheza da mãe, o seu João lá ia, por aquele caminho, muito calado, an­dando sem pressa, o que não era nada seu hábito mas, ao mesmo tempo, no­tava-se a ansiedade por chegar.
Pelo caminho, foi encontrando crianças da terra com quem costumava brincar. Uns sozinhos, mais crescidos, de passada segura e olhar feliz, ou­tros, mais pequenitos, acompanhados por al­guém da família mas, só o facto de ver esta gente que já era sua conhecida foi tendo o dom de o acalmar.
Entrou na sua sala. Viu já sentados alguns amigos seus o que fez com que se sentisse mais seguro mas depois, encarou com uma senhora, mais ou menos da idade de sua mãe, com um sor­riso aberto e franco e olhar doce que, ao vê-lo entrar, lhe fez uma festa na cabeça e lhe disse com uma voz suave e carinhosa:
- Bom dia, João. Então, gostas da casa onde vais ouvir e contar coisas muito bonitas? Ela, por enquanto, ainda tem umas paredes muito vazias mas, quando tu e os teus companheiros come­çarem a trabalhar, tu vais ver como a sala vai ficar alegre e muito mais bonita, com estas paredes todas cobertas de lindos desenhos de muitas cores que os vossos lápis e canetas tra­zem guardados lá dentro e que nós, a pouco e pouco, vamos deixando sair cá para fora.
O João sorriu mas não disse nada. Sentou-se junto de um companheiro que já conhecia. Alguns meninos, na sala, estavam a chorar e a profes­sora tinha pedido às mães para se deixarem ficar junto deles, mais um pouco. A mãe do João ficou a falar com a professora. O João percebeu que estavam a falar dele, só não percebeu o quê.
Aquele ano foi passado e a ida para a escola tornou-se rotina. Os meninos que, a princípio, cho­ravam, deixaram de chorar pois além de já terem feito mais amizades, já viam na professora uma pessoa amiga, sempre pronta a ajudá-los, que contava histórias maravilhosas e ao pé de quem se sentiam muito confortáveis.
O primeiro a fazer anos naquela sala foi o João. A mãe, sem ele saber, tinha levado para a es­cola um bolo de anos para, à hora do intervalo, com os companheiros e a professora, cantarem os parabéns a você. Que ale­gria quando se apercebeu da surpresa que lhe tinham preparado.
O tempo foi passando, o João foi crescendo e, por ser inteligente e es­perto também era muito irrequieto e curioso, sempre a perguntar, sempre a querer saber mais um pormenor que não tinha entendido. A professora, às vezes, enervava-se porque queria despachar a matéria que era obri­gada a dar mas, ao mesmo tempo, também pensava que era uma pena não satisfazer toda aquela curiosidade que, bem medidas as coisas, acabava por trazer as suas vantagens pois ele ficava satisfeito e mais sos­segado e os outros acabavam por ouvir falar de certos assuntos que ela, se calhar, de outra maneira, nem de tal coisa se lembraria.
O João lá acabou a escola e o rapazito que ele era quando para lá entrou, transformou-se num belo moço que se preparava para ir para o liceu que ficasse mais perto. A partir daí começou o desassossego em casa daque­les pais. O telefone não parava com gente a perguntar por ele. Ele não pa­rava porque tinha sempre o grupo com quem se juntava, quer para es­tudar, quer para se divertir. A mãe ficava muito preocupada e dizia ao pai que não sabia como é que ele tinha tempo para estudar, nem ocasião pois nunca o via pegar num livro. O pai, homem muito calado mas muito ob­servador, só perguntava: - Mas os resultados não têm sido bons? O rapaz não tem pas­sado sempre? Não tem trazido boas notas? Então não te pre­ocupes...
E era verdade, os anos de liceu estavam a ser ultrapassados sem dificul­dades. Até que um dia, já com os seus dezasseis anos, reparou com mais atenção numa moça que seguia o mesmo cami­nho que ele mas, para o liceu de raparigas que também ficava ali perto. Começou a fixar os dias em que a via pois isso queria dizer que o horário coincidia e, num desses dias, encheu-se de cora­gem e resolveu começar a falar com ela. A conversa, ao princípio era muito banal mas, a pouco e pouco o à vontade foi aumentando e começou a nascer uma simpatia que o João não sabia explicar.
Ansiava os dias em que se podiam encontrar e, nesses dias, ansiava a hora a que estavam jun­tos. Adorava ouvi-la conversar, adorava as suas gargalhadas e aquela carinha trigueira então, quando sorria, nem é bom falar. O João não entendia o que se estava a passar com ele, até que um dia, fez-se luz. Estava apaixonado.
Desde pequeno que o João sempre disse que queria ser médico. O fim do liceu aproximava-se e a vontade de ser médico não tinha desaparecido, aquilo com que ele não tinha contado era com a paixão e com a ideia de ter que vir para Lisboa e deixar a sua namorada na terra.
Os primeiros tempos na cidade foram difíceis, embora estivesse em casa de pessoas de família que o tinham recebido de braços abertos, era com muita ansiedade que aguardava o seu fim de semana para ir à sua terra matar saudades da namorada. Durante a semana, a princípio, era uma carta todos os dias e havia sempre coisas para dizer. Depois, o curso foi-se complicando, as épo­cas de exames foram-se aproximando e houve ne­cessidade de alguns fins de semana, em vésperas de exames, ficar em Lisboa.
As cartas que esperava com ansiedade começaram a espaçar-se e, numas férias, já nos últimos anos de curso, para grande espanto seu, a sua na­morada, em quem tinha investido tanta fé e carinho, comunicou-lhe que era muito sua amiga mas que, para casar preferia um rapaz lá da terra por quem se tinha apaixonado, durante as longas ausências do João. Ele não soube explicar o que sentiu porque nem ele próprio o entendeu. Só sabia que era uma dor muito funda misturada com uma revolta muito grande. E, nesse último ano de medicina, as férias foram mais curtas porque o João quis voltar mais cedo para Lisboa.
Não queria ficar ali tão perto dela, não conseguia arrumar seus pensa­mentos e o João, alegre e bom companheiro voltou para a cidade com um ar triste e muita sede de vingança.
Vingar-se em quê e em quem? Não havia nada a fazer, a decisão estava tomada e sem o acordo dos dois era impossível, então, vingou-se nele próprio. Durante o dia, as aulas e, durante a noite, juntava-se com meia dúzia de amigos e "era até dar". A cabeça precisava de estar cansada, pelo menos ocupada.
O tempo passou, o curso acabou e o João cansou-se de toda aquela vida nocturna e vazia. A situação que tinha vivido e que tinha tocado fundo na sua vida sentimental tornou-o frio e des­confiado.. Até que um dia, nos anos de um amigo, conheceu uma moça bonita e de conversa muito agra­dável que enterneceu aquele coração que ele pensava que já não voltaria a bater com tanta força.
A moça era simpática, agradável, meiga e começaram a encontrar-se. Ha­via sempre pontos inte­ressantes de conversa. Começaram a descobrir-se muitos pontos comuns e começou-se a sentir necessidade de estarem mais tempo juntos.
O João enterneceu-se com tanta doçura e resolveu casar-se. A vida era feliz, o João alegre e brincalhão voltou, satisfeito com a mulher que tinha ao lado.
Um dia, quando chegou a casa, depois de um dia trabalhoso e cheio de ca­lor, tinha uma surpresa à sua espera. Aquela mulher de quem ele tanto gostava deu-lhe a notícia que estava confirmado vir um bebé a caminho.
Um herdeiro, que orgulho, que alegria! Ele, que era obstetra chegou, na­quele momento à conclusão que não sabia o que havia de fazer. Nada da­quilo que sabia. Porquê? Já tinha assistido ao nasci­mento de tanto bebé porque é que estava tão baralhado agora que era mais necessário estar lúcido? Aquele filho era seu. Não conseguia separar sentimento e emoção de racionalidade e agora, a emoção era tanta e a alegria também que não conseguia pensar o que fazer. Pediu a ajuda de um colega da sua confi­ança e chegou o dia em que o seu bebé nasceu. Um rapaz lindo e robusto, saudável e que fez com que, da sua cabeça saíssem mil e uma preocupa­ções.
A roda da vida voltava a rodar, mas rodava sempre sem sair do mesmo sítio. O ciclo repete-se, uns nascem, outros morrem, mas agora, na his­tória do João tinha acontecido a parte mais ale­gre. Tinha acontecido um nascimento e de um filho seu.
Estava muito feliz.

Ana II


A hora de nascer foi complicada. Posso-me gabar do dia em que nasci pois se tinha que, nesse momento, haver força e vontade, fui eu que a fiz e que a tive. A minha mãe ou não as tinha ou não as queria ter mas eu, eu queria nascer. E no dia 28 de Abril de 1951 travei a primeira luta que me fez chorar, chorei pela primeira vez, mas de vitória.
Comigo chorou meu pai, encantado pela sua menina, que era sua e da mulher que amava.

A menina teve uma infância de cidade, vulgar, sem história, sempre cumpriu com aquilo que lhe era pedido.
Foi sempre criada pela avó, pois os pais continuavam a sua vida de trabalho, só os via à noite e aos fins de semana. E esta avó soube sê-lo, não só avó, como criança amiga, como mãe.
Fui feliz na minha infância, era o centro das atenções, filha única, neta única, sobrinha única. Um tesouro.
O liceu começou, o estilo de vida mudou, os horários eram diferentes, os interesses também, assim como as companhias e a menina mulher despertou. Vi o espelho. Entrei em comparação com as colegas com quem lidava. Onde estava a beleza da juventude? Onde estava a elegância da mocidade? Nunca houve, nunca existiu. Não era bonita, nem elegante.
Comecei a reparar nas conversas que me rodeavam:
- Já não sei o que hei-de vestir a esta rapariga. Tudo o que usa lhe fica mal. Assim que veste as coisas ficam todas sem graça.
Então era verdade. Eu era um aborto! Tornei-me reservada. Só me sentia bem entre aqueles que me acarinhavam. Tão poucos! Amigos, nunca tive. Porquê? Não sei. Senti-me, pela primeira vez, muito só.

A vida foi passando, até que um dia, quando eu tinha 14 anos, surgiu um acontecimento na família: um primo casava. Eu ia assistir a um casamento.
A escolha das fatiotas já foi uma luta, como é de calcular. Calcei os meus primeiros sapatos de salto e as primeiras meias de seda. Vi o espelho, pela segunda vez e aí fui eu que não gostei.
O casamento fez-se. Dizia a família que o casamento era desigual, os meios sociais dos noivos eram diferentes.
Nesse dia aconteceu uma coisa que mudou a minha vida: conheci um rapaz que era convidado da noiva e, de todos os convidados, fomos os únicos que nos juntámos. Nunca tinha falado tanto, nunca tinha ouvido tanto, nunca tinha sentido tanto.
O tempo passou, o dia acabou e a festa também mas, a vida continuou.
Um dia, ia a sair do liceu e o rapaz lindo estava à minha espera. Para quê? Porquê? Era desenhador na ponte e como eu lhe tinha dito que adorava a Natureza ela vinha-me oferecer umas estalactites que tinha encontrado numas grutas quando andavam a fazer as fundações para a construção.
Acompanhou-me até casa. Todo o caminho conversámos de coisas banais, dando a conhecer toda a nossa ingenuidade. A conversa foi agradável, houve vontade de repetir, surgiu o prazer de estar, ao fim de algum tempo, surgiu a necessidade de manter e aí começou o namoro. Os anos passaram, a tropa acabou e sentimos necessidade de ficar e o casamento fez-se.
Foi agradável sentir-me importante, foi bom sentir-me querida. Era feliz por saber que conseguia excitar alguém. Só eu sabia, só nós conhecíamos essa parte da nossa vida e, ao fim de três anos de casamento, a prova para o mundo surgiu: Eu ia ter um filho, eu conseguia criar vida, não sozinha, claro, mas com o homem mais lindo que eu tinha conhecido em toda a minha vida e que tinha casado comigo, não sei como nem porquê, mas ele dizia que sabia.
Foi a época mais feliz da minha vida. Trazia um filho comigo, já havia muita ternura para ele, já conversávamos os dois, por pequenos gestos, por pequenas emoções, por grandes pensamentos.
Amanheceu o dia em que nasceu. Que alegria! Que beleza! Eu ia mostrar ao mundo aquilo que mais adorava na vida.
Foi dos momentos mais lindos de toda a minha vida.
Nasceu um rapaz são, e belo como o pai. Tanta ternura, tanta alegria, tanta felicidade! Era mãe!
A nossa vida a três começou e foi óptimo. O companheirismo continuou, a amizade também mas, surgiu a cumplicidade (pensava eu) para a criação do nosso filho.
Cresceu saudável, continuou lindo mas, a cumplicidade que pensava existir entre mim e o pai surgiu entre pai e filho. As coisas apareciam ao mais leve pedido, não se compravam coisas, gastava-se dinheiro para satisfazer o mais pequeno desejo de seu filho. E eu, senti-me só, pela segunda vez na minha vida.
Lutei contra a sensação para que ela não passasse a certeza. Quis abafar a suspeita mas o tempo não parava, o tempo não perdoava. E um dia, quando o nosso filho, tradicionalmente, precisava mais do pai, mais precisamente, no ano em que o nosso filho fez 12 anos, o pai morreu, e eu senti-me só pela terceira vez na minha vida.

29 de outubro de 2007

Banalidades




Que são banalidades?
São retalhos da vida que passa
e que não deixam saudades.
São o sair, o entrar, o deitar,
o levantar, o comer, o dormir,
resumindo, o repetir
de todos os dias,
de todas as horas,
de todos os anos,
de todas as vidas.
São aquilo que eu não quero,
são aquilo de que fujo,
são aquilo porque luto p'ra não ter.
São factos que não queria reviver
porque quero ser feliz,
tenho direito a ser gente
e prazer em ser diferente.
E como tal:
Incomoda-me o vulgar,
irrita-me o mesquinho,
detesto o "poucochinho".
Quero rir, quero correr,
quero chorar, quero gritar,
quero-me descontrolar,
quero sentir,
quero dar e receber.
É tão fácil de entender!
Pois aquilo que eu quero
é ser feliz e viver.

CONCLUSÃO

Escrevi amor e carinho,
escrevi ternura, saudades,
escrevi tristeza, paixão,
angústia, dor, solidão,
escrevi revolta, ansiedades.
Afinal,
só escrevi banalidades...

Astrologia


Astrologia é ciência,
é mistério, é alegria,
é angústia, é ansiedade,
é prazer, é intuição.
É aprender a estar vivo,
é respeitar seu irmão.

E os astrólogos que a estudam,
que a entendem, que a descobrem,
que se apaixonam por ela,
sejam crentes ou ateus,
sentem que estão a admirar
as brincadeiras de Deus.

22 de outubro de 2007

Manuel


Manuel, é um nome muito português. Não quero dizer com isto que não existam outros nomes tão portugueses como este, se os há! Olha os Josés, os Antónios e por aí...

Nasceu no Norte há já alguns anos, filho de pais pobres, a mãe vivendo daquilo que conseguia que a terra desse e o pai, além de ajudar a mulher no campo, era um operário simples de uma fabriqueta que existia por ali perto que de fábrica, praticamente só tinha o nome.

Quando os pais do Manuel casaram toda a aldeia viveu aquele casamento. Já durante o namoro, muitos eram os que espreitavam por detrás dos postigos para ver se se apercebiam de uma piscadela de olho ou de um toque mais atrevido. Mas não, a mãe do Manuel, menina séria e muito dada a re­catos, sempre tinha feito um namoro lindo e com respeito, como corria na aldeia.
Aquele casamento foi falado por muito tempo. Os avós do Manuel, de ambos os lados, "fizeram das tripas coração" para que ele não fosse esquecido nos tempos mais próximos.

Os pais do Manuel casaram e, passados uns tempos, surgiu o Manuel da nossa história. Nessa altura, só a mãe sabia da sua existência. Aqueles enjoos pela manhã! Aquelas tonturas! Seria o que ela es­taria a pensar?

Ao fim de muitas noites em claro, lá se resolveu a ir falar com a mãe e contar-lhe o que sentia. Fo­ram-lhe, então, tiradas algumas dúvidas, muito por meias palavras, muito a dar a entender.
- Estou grávida! – pensou a mãe do Manuel – Que vergonha! – acrescentou.

É verdade! A mãe do Manuel, senhora casada, devido à educação que tinha levado, envergonhou-se. Aquilo que lá na terra era vulgar para as cabras, porcos e cães, era vergonha para os homens.

Toda a aldeia devia saber como os bebés se faziam. Todos os homens e mulheres casados já tinham tido filhos. Chega-se então a uma conclusão: ter filhos é alegria. E fazê-los?!...

Escondeu do marido até não poder mais. O seu corpo começou a preparar-se para a vinda do Ma­nuel. O enxoval começou a fazer-se. Já não podia esconder mais e então, a notícia espalhou-se pela aldeia como fogo em dia de Verão.

O tempo foi passando, o Verão custou a aguentar. Tanto calor! O Outono chegou, o peso foi au­mentando, a lida da casa já ia custando, a do campo, ainda mais. O frio começou a aumentar, os dias a ficarem pequenos, as noites maiores. O calor da lareira era agradável.

Numa dessas noites frias de Novembro, o Manuel manifestou-se, ouviu-se o seu primeiro vagido, ouviu-se o seu primeiro choro.

Sua mãe, cansada, estava rodeada pelas mulheres experientes da aldeia, mulheres para quem aquela cena já não tinha nada de novo, era o pão nosso de cada dia.

Chegaram-lho ao peito:
- É um rapaz perfeito!! – ouvia a mãe do Manuel.
Outra voz mais afastada:
- O rapaz é pequenito, mas cá se faz. Assim o leite dela seja bom, depois, tudo se cria.

E o pai do Manuel? Esse, coitado, quando tudo começou, ficou tão aflito ao ver a sua companheira cheia de dores mas, as mulheres puseram-no fora:

- Vá-se embora, compadre. Esta é das poucas vezes que o galo não tem ordem de entrar na capo­eira.

E ele lá se foi, debaixo de chuva e vento, procurar os companheiros para ver se o tempo passava mais depressa e se a sua mulher se via livre de tanta aflição.

Dizia ele para os outros, para se mostrar forte:
- Ela é rija! É uma mulher de armas! Vocês vão ver!

Mas, lá por dentro, o coração estava tão pequenino. Mulher corajosa, isso era! Mas, tanta dor!

Já a noite ia alta e vai a ti'Carolina à procura do pai do Manuel. Bate à porta deste, bate à porta da­quele. Nada dele! Até que, um dos amigos de conversa lhe disse:

- Despediu-se inda há pouco e foi p'rás bandas da Igreja.
Lá foi ti'Carolina lá para as bandas da Igreja e, quando entrou, logo o viu a conversar com o padre, na sacristia.

- Oh! Senhores, venha, já lá tem um rapaz!!

O tempo foi passando e o nosso Manuel cresceu, fez-se rapazito, em idade de andar na escola, já tinha mais dois irmãos, uma rapariga e um rapaz. Este último ainda bebé.

Na escola encontrava os amigos com quem brincava e ia aos ninhos por aqueles campos fora. Só eles sabiam em que árvore é que havia os bons paus para fazer fisgas, mais além eram as tocas dos coe­lhos. Só eles conheciam os recortes daqueles montes a qualquer hora do dia. Junto ao rio, belos ba­nhos! E as armadilhas para apanhar peixes... Que belas pescarias!

A professora dizia ao pai que o rapaz era esperto, que tudo aprendia e tudo queria saber.

O seu pai inchava de orgulho mas não o demonstrava.

O tempo foi passando. A escola primária acabou.

- E agora p'ra onde vai o rapaz? – dizia o pai.

- Trabalhar para o campo não. A D. Adosinda diz que ele é esperto. Não gostava que ele tivesse a vida que nós temos tido. Queria para os nossos filhos um futuro bonito. Aconselha-te com o senhor prior. Vê lá o que é que ele acha.

Assim fez o bom pai do Manuel, e a conversa foi tal que, depois de se perguntar a opinião da senhora professora, o Manuel deu entrada no Seminário.

Ficou longe da aldeia, da família, dos amigos. Só os via nas férias. Tempos difíceis!

O tempo passava e o Manuel cada vez desejava com mais ansiedade a chegada das férias para voltar para a sua aldeia, para os seus.

Durante o ano só havia umas raras cartas, muito vagas porque o tempo era pouco e o treino para escrever não muito grande. E o Manuel lá se contentava. Lia e relia com sofreguidão, a meia dúzia de linhas mal alinhavadas mas a dar a entender que também desejavam o regresso.. E aí, o Manuel chorou, pela segunda vez.

O Manuel foi crescendo naquele Seminário escuro e húmido, foi estudando, fez amigos, grandes companheiros de noites de cavaqueira, à luz da vela, quando todos os outros já dormiam, trocavam-se opiniões sobre o que se ouvia, sobre o que se lia e o Manuel foi mudando até que, numas férias, que eram há muito tempo desejadas, quando chegou à aldeia, começou a notar que ele já não per­tencia ali, que a única coisa por que voltava era a família. Os amigos com quem costumava brincar quando miúdo ou estavam a trabalhar no campo, ou na fábrica, ou tinham saído da aldeia.

Tomou, então, uma resolução, ir experimentar os campos de férias que, durante o ano, no Seminá­rio, tanto ouvira falar.

E foi assim que o Manuel começou a conhecer o nosso Portugal, acompanhando miúdos mais novos, um ano no Alentejo, outro na Beira, outro no Ribatejo, convivendo com outras gentes, outras ideias, outras paisagens. E foi feliz!

Às vezes, nas férias, tinha que trabalhar no duro para ter algum dinheiro para qualquer coisa que quisesse comprar.

Quando as férias acabaram o Manuel voltou ao Seminário, agora já rapaz feito, com alguma barba a crescer e a maioridade a chegar.

Sentia-se deslocado naqueles corredores onde lhe eram ministradas aulas e onde surgiam certas ideias com que ele, de modo nenhum, podia concordar. Manifestou-se. Que resultados viu? Não havia meio termo, ou contra ou a favor. Quem contra? Quem a favor? Mas ainda poderá haver gente con­tra ideias tão claras, tão lógicas? Porquê? Não entendia, só sabia que não era aquilo o que ele queria.

Num Natal, ao chegar à sua aldeia, todos os aguardavam como de costume, os sorrisos habituais, os abraços habituais, a missa do galo habitual, o capão habitual mas, depois da ceia habitual, o Manuel desabafou:

- Pai! Não quero ser padre.

O tempo parou.

Naquela casa a angústia surgiu. A mãe viu desaparecerem os sonhos que tinha alimentado durante anos. Já não ia ver o seu filho celebrar missa na igrejinha da aldeia. O seu filho tinha aprendido a tocar viola no Seminário e ela tinha uma viola escondida para lhe dar como prenda de Natal. Ele ainda não sabia. Tinha pedido ao seu homem para ir à cidade comprá-la. O que ele tinha corrido! Quando gostava de uma, o dinheiro que levava não chegava, quando encontrava uma de bom preço, havia qualquer coisa que não o levava a comprar.

Já tinha imaginado o seu Manuel, já padre, ao Domingo, rodeado pelas crianças da escola a ensinar-lhes as cantigas bonitas para eles cantarem na missa.

O pai ficou calado, a cozinhar aquilo que tinha ouvido. Levara algum tempo a mentalizar-se que ia ter um filho padre, sem se casar, sem lhe dar netos, mas já se tinha habituado à ideia, agora, num lapso de tempo, tudo tinha mudado.

- E o que é que pensas fazer?

- Vou acabar o liceu, no Seminário e depois, vou pensar no curso que me agrada. Pode ser que tenha que ir para mais longe, ainda não sei.

O tempo continuou a correr e, ao acabar o liceu, o Manuel resolveu ir tentar a sua sorte na grande cidade. Ele que sempre tinha vivido entre claustros, entre os homens, entre crianças, vê-se, de re­pente, rodeado de barulho, confusão, competição, tudo aquilo que tinha ouvido contar, que tinha lido em alguns livros, no Seminário, passados pela porta do cavalo.

Tinha feito muitos amigos, quer entre alguns professores, quer entre os companheiros. Casas religio­sas há por muitos lados e foi numa delas que ficou quando se encontrou em Lisboa.

O ritmo de vida era completamente diferente. Ao princípio assustou-se. Estaria preparado? Toda a sua vida a passara dentro de uma redoma, uma sociedade de elite completamente diferente e que, embora não concordasse com ela, na sua globalidade, ela tinha deixado as suas marcas na sua ma­neira de ser, de sentir, de pensar.

Resolveu trabalhar e tirar o seu curso à noite. Usou as boas bases musicais que tinha tido no Seminário e foi trabalhar como professor de educação musical num colégio. Era esse o nome que usava mas era um bocado o topa a tudo. Homem habilidoso, esperto, nada o deixava atrapalhar. Foi lutando, foi subindo, foi estudando, foi vingando a punho mas também foi convivendo.

Tinha o seu grupo de amigos de curso, de conversa, de folia, rapazes e raparigas da mesma idade, com ideias muito semelhantes, maneiras de pensar idênticas. Entre os que acompanhavam esse grupo havia uma rapariga linda, agradável, graciosa, com quem começou a gostar de falar, de convi­ver, de se dar, de receber.

O amor nasceu, o espanto, o encanto, a emoção. Foi tudo tão rápido, tão lindo, tão natural e teve como final o casamento. Tanta alegria, tanta novidade por explorar, tanta ternura para dar. O tempo foi passando e o Manuel preparou-se para ser pai. Nasceu uma criança linda que ele logo adorou mas, entretanto, a luta pela vida complicou-se.

A família estava formada, o curso por concluir, o filho a precisar de atenção e a mulher também, o curso a chegar ao fim, os exames por fazer, os livros para ler, as teses para apresentar e o tempo a escoar, a incompreensão a surgir.

Os diálogos amenos, saudáveis e bons de antigamente foram-se espaçando cada vez mais, as trocas de impressões agradáveis, os longos serões, transformaram-se em conversas cordiais, informais mas que não lhe davam todo o carinho e ternura de que ele tanto precisava.

Que vou fazer? Tenho um filho a quem adoro, mas não sou daqui, não sou feliz, sinto-me mal.
E, pela terceira vez, o Manuel chorou.

Gota de chuva




Gota de chuva que escorre
pelo vidro da janela.
Eu não sei pra onde vai
mas queria ir com ela.

Menino, para que espreitas
pela gretinha da porta?
A chuva e a gente passam.
Nada do que vês importa.
O que importa é o que está dentro,
não da casa, mas de ti:
os sonhos, a claridade,
as brincadeiras felizes
que só tu sabes brincar,
o que sentes e não dizes.

A gota de chuva entende
ao passar pela janela.
E no caminho que faz
Vai procurando pureza,
ternura, carinho, amor.
Mas isso tudo é difícil
de se encontrar por aqui.

Mas a esperança persiste,
a procura continua.
E se a gotinha de chuva
chegar, um dia, a encontrar
o lugar onde isto existe!
Eu queria estar junto dela.
Fixava bem o lugar
e voltava para ti.
Soltávamos as amarras
que nos prendiam aqui.
Saíamos rapidinho.
E depois?!
Vamos, os dois, correr mundo
procurando sonhadores,
gente boa que está triste,
e ensinamos o caminho
para o tal lugar tão lindo
que a gota de chuva viu.

E uns contarão aos outros,
e outros mais chegarão.
E o lugar lindo e só
ficará tão cheio de luz,
de ternura e de carinho,
que se um pensamento mau,
chegar, um dia, a entrar
nesse lugar de magia,
para encontrar seu bem estar
e poder continuar,
ou muda,
ou fica sozinho.

Diálogo


Prometi, há alguns anos, a mim mesma,
mais precisamente em 92,
fechar à chave o meu coração.
Em seguida, guardava num canto escuro
pra que ninguém encontrasse,
tudo aquilo que tocasse,
meu sentimento ou emoção.
E depois...
Ficava mais disponível para a minha profissão.
Deixava crescer meu filho, com muito amor e carinho.
Lutava para o tornar um homem honesto e puro.
Queria dar-lhe toda a defesa que chegasse
para não ter sofrimentos.
Queria vê-lo feliz,
a ganhar e a subir,
a lutar e a chegar
aos lugares que sempre quis.

Ana, cala-te!
Olha-me bem para trás e lê, com muita atenção
o que acabas de escrever!
Será que já reparaste que ainda não és capaz
de separar duas coisas, naquilo que prometeste?
Deixa que te faça uma pergunta
para ver se me consegues entender:
Coração, sentimentos, emoção,
estás a guardar ou a esconder?

Escondeste só, minha tonta,
e em sítio bem pouco escuro,
deixa-me lá que te diga.
Pois assim que uma criança,
daquelas com quem trabalhas,
se mete nalguma briga
e te procura com esperança
que salves a situação...
Logo te salta a ternura.
Logo te escapa o carinho.
Logo lhe abres os braços
e a encostas ao coração.
O coração que fechaste?
Se fechaste e se guardaste,
Como podes abraçar?
Como podes dar ternura?
Pra que pedes pra teu filho
honestidade e pureza?
E tu? Será que pensaste em ti?
Se queres ser assim tão fria,
tão distante e tão segura,
porque dizes que aquele homem
te inspira tanta ternura?
Porque queres saber mais dele?
Porque queres o convite pró café?
Porquê a curiosidade
p'lo homem que vês ali?
Porque é que tu queres saber
o que ele sente por ti?
Porque não perguntas antes:
Como vai na profissão?
Tem fortuna?
Tem poder?
Eu só te ouço dizer:
Tem carinho?
Tem ternura?
Será que sente o que mostra?
Ou será um bom actor?
Será que aquilo que sinto
é carência ou é amor?
Se as emoções estão guardadas,
se sentimentos também,
se o teu coração gelou,
se estás tão fria e segura...
De que é que tens tanto medo?
Vê lá se queres a resposta!!!
Achas que és capaz de ouvir??
Dizes que sim?? Então escuta.

Inda não perdeste a esperança
de voltar a ser feliz.
E aquilo que esse homem mostra,
e aquilo que esse homem diz,
tem muito a ver com o que pensas,
com aquilo que procuras,
com aquilo que aceitas,
com aquilo que defendes
e pretendes encontrar.

Continua o teu caminho.
Informa-te do que queres.
Se são aos seus sentimentos
a que dás prioridade?
Faz as perguntas que queres
E que, segundo ele diz,
Também quer ouvir de ti.
E se no fim disto tudo
ainda achares que ele é
o homem doce e seguro
que gostavas de encontrar.
Deixa que o tempo corra.
Mostra-te tal como és.
Pois quando dois seres são puros
na alma e no coração,
se não há jogos escuros,
pois falam só o que sentem
e só fazem o correcto
pelo seu modo de pensar.
Então,
encontrem-se, falem, vivam,
sintam muito e com firmeza,
deixem sair cá para fora
tudo o que anda escondido.
Compartilhem o que pensam.
Abram vossos corações.
E se tudo for verdade,
se não for só fantasia,
se da parte de um e de outro,
ninguém andar a brincar
com a vida do semelhante...
Mata essa tua ansiedade,
dá-te com muita alegria.
Em troca só podes ter
pureza, amor e carinho.
Nenhum dos dois vai sofrer,
só pode dar-se o contrário,
pois, os que amam sem reservas
e com pureza sem fim,
desvendaram o mistério:
- São felizes porque sim.

Anjo da Guarda


Era uma vez uma menina que sempre admirou a escrita poética e adorava fazer este tipo de leitura, dias e dias seguidos, não cansava, era agradável, não se dava pelo tempo passar, parecia fácil.
Tentou escrever e viu então que não era tão fácil assim. A ideia estava lá mas passá-la a palavras já era mais complicado... quanto mais, palavras bonitas que ao lê-las nos desse a ideia que se tratava de uma canção...
Agora, depois de meio século passado, ao reler algumas palavras que conseguiu escrever, apercebeu-se de uma coisa que ela achou muito bonita: é que todo o esforço e empenho que ela pôs, através da vida, no que tentava escrever, em verso ou em prosa foi, pelo menos, marcando as suas épocas de alegria, de tristeza, de solidão... resumindo, de crescimento. Por isso, com muito esforço mas, ao mesmo tempo, com muito carinho, aqui vai uma tentativa para escrever bonito:

Oh! Meu bom anjo da guarda,
tu sabes como ninguém,
que eu hoje já sou mulher.
Tens-me ajudado a crescer.
Acompanhaste as tristezas,
ouviste-me desaforos,
mas, quando eram alegrias
o que vivia ou sentia,
não sei o que acontecia
que deixava de te ver...
O meu egoísmo era grande,
a criancice... também.
Mas nunca em ti eu senti
qualquer censura ou tristeza
por naquelas situações
eu não ter pensado em ti.
Agora, estou mais velhinha.
Tento ver com mais clareza
como posso ser feliz.
Mas há coisas que não esqueço
pois são lemas que gravei:
Respeitar o semelhante
como sempre me ensinaste.
Fazer as minhas opções,
para cumprir meu caminho
Sem prejudicar ninguém.
E quando chega a tristeza!
Sinto-te firme, ao meu lado,
pois não arredas por nada.
Mas cresci um bocadinho!
E sabes como notei?
Se o momento é de alegria
tu já não ficas esquecido,
e tenho um grande prazer
no teu sorriso escondido
quando te digo "Obrigada"

Fernando Pessoa


Excerto de "O guardador de rebanhos" - Poema VIII de Fernando Pessoa

Num meio-dia de Primavera
Tive um sonho como uma fotografia
Vi Jesus descer à Terra
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se ao longe.
Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
da segunda pessoa da Trindade
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez, homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa, toda à roda, de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça
E até com um trapo à volta da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas -
Um velho chamado José que era carpinteiro
e que não era pai dele
E o outro pai era uma pomba estúpida
a única pomba feia do mundo
Porque nem era do mundo, nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter
Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu
E queriam que ele que só nascera da mãe
E nunca tivera pai para amar com respeito
Pregasse a bondade e a justiça!
Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três:
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que tinha fugido,
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino,
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-se pregado na Cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois, fugiu para o Sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo
É uma criança bonita, de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as,
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge, a chorar e a gritar, dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas à cabeça,
E levanta-lhes as saias.
A mim ensinou-me tudo:
Ensinou-me a olhar para as coisas,
Aponta-me todas as coisas que há nas flores,
Mostra-me como as pedras são engraçadas
quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.
Diz muito mal de Deus
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar no chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me que Deus não percebe nada
das coisas que criou"
Se é que ele as criou, do que duvido -
"Ele diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
mas os seres não cantam nada
Se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada
E por isso se chamam seres.
E depois, cansado de dizer mal de Deus
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o, ao colo, para casa.
Quando eu morrer, filhinho
Seja eu a criança, o mais pequeno,
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.
Esta é a história do Menino Jesus
Por que razão que se perceba
Não há-de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?

Aconteceu poesia


Aquilo por que eu tanto ansiei
e aquilo que eu tanto queria
aconteceu.
Aconteceu poesia.
Veio donde eu desejei,
quando a esperança se desvanecia,
de um modo como nunca pensei,
aconteceu poesia.
Donde veio? Quem ma deu?
O tal homem calmo e bravo como o mar
com o tom de voz quente e sentida,
riso matreiro,
boca apetecida,
o toque misterioso no olhar.
E então...
Pela primeira vez senti paixão
e gostei de perder a noção
do sítio,
do ambiente,
de mim mesma.
Foi muito bom.
Quero mais.
Preciso muito
Tenho muito p'ra dar
e quero dar.
Desejei que tudo parasse ali.
O que sentiu ele?
O mesmo que eu senti?
Será que deu para lembrar
a boa sensação, o bom momento?
Vem depressa, repete, quero muito,
quero mais, preciso.
A tua ausência dói.
A tua presença é linda mas rareia.
Preciso repetir.
Tenho que ter a certeza
que não foi sonho, ilusão.
Tenho que saber
se o que vai dentro de mim
é confusão ou não.
Quero-te meu.
Quero ser tua.
Quero ser.
Quero ser o que te apetecer.
Quero viver, sentir,
queimar este fogo que há em mim.
E, se depois de uma outra vez acontecer
quisermos repetir,
continuar,
sempre,
assim.
Valeu a pena, sim.

Esperança


Gostava ainda de encontrar na vida
um homem calmo e bravo como o mar,
com um tom de voz
quente mas sentida.
Riso matreiro, boca apetecida,
um toque misterioso no olhar.
As mãos grandes e quentes
p'ra m'abarcar corpo e pensamento.
P'ra sabermos tudo de nós
ali, nesse momento,
sem necessidade de contar,
explicar, dizer.
Sermos capazes
de ser só ser.
Queria sentir o que nunca senti.
Queria que o tempo recuasse.
Queria ver a juventude que não vi.
Queria que o encanto não passasse.

Onde se encontra esse homem
que, numa noite, em sonhos vi?
Será que só existe mesmo aí?
Procurar, não sei.
Esperar, não tenho tempo.
Continuarei....

Sonho?


Que sonho horrível!
Que estranho!
Que sufoco!
Que aflição!
Senti um vazio tamanho,
um'ansiedade desmedida.
Estava em casa, só, em grande angústia.
Resolvi sair, em busca não sei de quê.
Era noite.
Não havia calor, nem frio.
Só sei que sentia um vazio
difícil de suportar.
Comecei a andar.
Não sei por onde e para quê.
Andei, andei
por sítios que ninguém via,
por lugares que nem sabia.
Depois de muito andar,
de me cansar, de correr,
de fugir, de procurar,
meti-me num comboio que me surgiu ali.
Andei horas sem conta,
tempos infindos.
E só sei que saí
No lugar donde parti.
A ansiedade aumentava.
Queria encontrar o quê?
Só sei que tinha que encontrar alguém.
Continuei a andar, a correr, a subir, a descer,
caminhos escuros, ruas estreitas, quintais sem fim.
Sabia que procurava, só não sabia o quê.
Voltei a casa. Não era a minha.
Estava tudo diferente,
ruas, casas, janelas, até a própria gente.
Eram contradições sobre contradições.
Estava em minha casa, sem a conhecer.
Estava na minha rua e tudo era diferente.
Carros passavam sem fazer um som,
tudo o que me rodeava, era mudo, amorfo.
Voltei à rua. Gritei desesperadamente e não ouvi nada.
Comecei a correr e o cenário não mudava.
Estava tudo parado, mudo, sem vida.
Era tudo familiar e estranho, perto e longe, vazio e confuso.
Era tudo meu mas nada me pertencia.
Acordei suada, cheia de medo e só.
Senti-me mal, chorei e suada fiquei.
Vazia, só, sem futuro ou ambição.
Que estou aqui a fazer? A sofrer?
Que angústia, que desamparo,
que solidão, que tristeza,
que incerteza.
Quem me dá a mão?!
Preciso de uma mão amiga,
preciso de um beijo,
de um afago,
de um carinho.
Preciso de sentir que não estou só.
É horroroso de mim própria sentir dó,
revolta, compaixão, pena e nojo.
Que faço?
Isto é loucura?
Isto é doença?
Quero lutar mas tenho medo.
Quero andar mas não me mexo.
Quero viver mas estou parada.
Será que tudo o que anseio é nada?

SE


Se alguma vez conseguisse adivinhar
aquilo que te vai no pensamento...
Se eu tivesse a certeza que o que dizes
é o que guardas no teu coração...
Se eu não tivesse medo de sofrer...
Se eu não tivesse horror a magoar...
Se eu conseguisse ajudar-te a descobrir
como soltar tudo o que prendi,
talvez até eu própria me assustasse
ao ver a força do que não vivi.

Se eu desse liberdade aos sentimentos,
se eu desse rédea solta à emoção,
se tu também sentisses o que sinto,
se deixássemos falar o coração,
se eu não temesse dar amor e receber,
se essa troca pudesse ser contigo,
então, amor, eu quereria ser, só ser.
Pois com calma, com ternura e intuição,
tinhas conseguido entrar no meu abrigo.

Ser capaz de te fazer muito feliz,
voltar a ter prazer em dar prazer.
E só com um olhar teu eu entender
aquilo que se quer e não se diz.
Queria poder dizer que junto a mim
te sentes tu, completamente tu:
cabeça, corpo, alma, coração.
E se a resposta de ti todo fosse sim,
então, eu deixaria renascer
tudo aquilo que matei há muito tempo,
pra te oferecer o meu prazer de ser mulher.

Convenção


Cheguei, neste momento, à terrível conclusão
que a minha vida teve muita convenção.
Nasci quando tinha que nascer.
Cresci quando tinha que crescer.
Estudei até a convenção deixar.
O meu namoro foi convencional.
E teve no casamento o fim formal
e esperado por qualquer convenção.

Estudar e estar casada, ao mesmo tempo,
já não se enquadrava bem
nos parâmetros que qualquer convenção tem.
- Trabalha, sê esposa e mãe – dizia a convenção,
- não sacrificas marido, pai ou mãe
e ainda tens um filho para os enternecer.

Esta ideia fez meu coração doer.
Queria estudar.
Tirar o curso que sempre desejei.
Queria aconselhar-me.
Pedir ajuda a alguém.
Ninguém apareceu.
Ninguém se apercebeu.
E então!!!
Resolvi, seguir a convenção.

Tive o filho que a convenção queria.
Foi sempre desejado e foi bem vindo
por mim, pelo pai, pelos avós.
E nasceu um rapaz sadio e lindo
que encheu minha vida de alegria e aflição.
Que quereria dele a Dona Convenção?

O tempo foi passando
como foi convencionado.
O filho foi crescendo
com os pais a seu lado,
mas, quando esse filho fez 12 anos
e, convencionalmente,
precisa mais do pai,
o pai morreu.

Onde estava a convenção?
A convenção a quem eu obedeci
em várias situações da minha vida,
contrariando-me a mim e ao meu coração?
Comecei a perceber que fui traída
por tudo o que rodeou a minha vida,
tudo aquilo em que entrou a convenção.

Então,
a partir de agora vou tentar
em tudo aquilo em que tenha que optar,
esquecer a convenção.

21 de outubro de 2007

Mulher


Sabem o que acontece quando uma pessoa lê um texto e pensa que isto tudo já lhe veio à cabeça mas nunca foi capaz de o passar a palavras?
Aqui vai um exemplo.
Obrigada meu amigo.


(Texto de autoria desconhecida. Supõe-se ser de uma sindicalista da Guatemala e que me foi enviado pelo meu amigo Aires)

Agradeço por ser mulher... Agrada-me que digam que sou histérica, porque então posso jogar os pratos na cabeça de quem me causa sofrimento.
Gosto que me chamem de bruxa, porque então posso mudar a direção dos ventos a meu favor. Gosto que me chamem de demônio, porque posso queimar o leito onde me abusam.
Gosto que me chamem de puta, porque então posso fazer amor com quem me dá vontade.
Gosto que digam que sou frágil, porque me lembram que a união faz a força.
Gosto que digam que sou fofoqueira, porque nada do que é humano me será alheio.
Porém, o que mais agradeço, o que mais me agrada, o que eu mais gosto e o que me faz mais feliz é que me digam que sou louca, porque então nenhuma liberdade me será negada.
Agrada-me saber que meu cérebro é menor que o cérebro do homem, porque então meu cérebro cabe em todos os lugares.
Agrada-me que me digam que careço de lógica, porque então posso criar uma lógica menos fria e mais vital.
Agrada-me que digam que sou vaidosa, porque posso olhar-me no espelho sem me sentir culpada.
Agrada-me que me digam que sou emocional, porque posso chorar e rir à vontade. Mil e uma vezes a Inquisição me queimou e aprendi a nascer das cinzas. Prenderam-me em um harém e, enclausurada, não deixei de rir. Colocaram um cinturão de castidade e adquiri a arte de um serralheiro.
Carreguei fardos de lenha e me fiz forte. Cobriram-me o rosto com véus e aprendi a olhar sem ser vista. Os filhos me acordaram à meia-noite e aprendi a manter-me em vigília. Não me enviaram à Universidade e aprendi a pensar por minha conta.
Transportei cântaros de água e soube manter o equilíbrio. Extirparam-me o clitóris e aprendi a gozar com todo o corpo. Passei dias bordando e tecendo e minhas mãos aprenderam a ser mais exatas que as de um cirurgião.
Ceifei o trigo e colhi o milho, porém me roubaram a comida e com fome aprendi a viver. Sacrificaram- me aos deuses e aos homens, e voltei a viver. Espancaram-me e perdi os dentes, e voltei a viver. Assassinaram- me e me ultrajaram, e voltei a viver. Arrancaram de mim meus filhos e, no pranto, voltei à vida.
Agradeço por ser um animal, porque os homens colocaram em perigo a sobrevivência do planeta. Agradeço por ser mulher porque o homem não é o centro do universo e sim apenas mais um elo perdido na cadeia da vida.
Agradeço que me digam que sou irracional, porque a razão tem conduzido aos piores actos de barbárie.
Agradeço por não ter inventado a tecnologia, porque ela tem envenenado a água e o ozono. Agradeço que me tenham colocado mais perto da natureza, porque nunca estarei só.
Agradeço que me tenham confinado ao lar e a família, porque posso fazer de toda a Terra meu lar e minha família.
Estou feliz que me chamem de dona de casa, porque posso apoderar-me da minha.
Estou feliz de não ser competitiva, porque então serei solidária.
Estou feliz de ser o repouso do guerreiro, porque posso cortar-lhe o cabelo enquanto dorme. Estou feliz de ter sido excluída do campo de batalha, porque a morte não me é indiferente.
Estou feliz de ter sido excluída do poder porque longe do poder me distancio da ambição e da cobiça.
Estou feliz que me tenham excluído da arte e da ciência, porque as posso inventar de novo.
Com tanta fortaleza acumulada, com tantas habilidades e destrezas aprendidas, mulher, se tentar conseguirá o mundo do avesso.

Carta escrita à nossa Ministra da Educação por Lúcia Maria de Mello Serpa e com quem estou plenamente de acordo


NÃO TÊM O DIREITO DE NOS TRATAR ASSIM !


"Sinto-me insultada, humilhada" - ouvi colegas dizerem repetidamente nos últimos tempos.

É em nome dos muitos docentes que partilham esta mágoa e no meu próprio que quero expressar a minha opinião. Costumo dizer que, de tanta pancada, me sinto dolorida. "Eles", leia-se Ministra e o Governo que a apoia, NÃO TÊM O DIREITO DE NOS TRATAR ASSIM.

Sempre me senti orgulhosa e honrada por, através da minha profissão, colaborar com as Famílias na formação dos seus filhos e meus alunos e contribuir para que eles se tornassem cidadãos responsáveis e participativos nas comunidades em que se viessem a integrar. Agora apontam-me o dedo acusatório e fazem-me sentir culpada do falhanço cultural de um país ? Senhora Ministra, V. Exª que é professora, quantos anos exerceu funções docentes ? Que Portugal percorreu, com malas e filhos às costas até conseguir instalar a sua vida num local definitivo e finalmente poder proporcionar alguma estabilidade à sua família ? Durante quantos anos o seu local de trabalho foi em locais remotos, com buracos no chão e no tecto, com o frio a tolher-lhe os movimentos ? Quantas vezes teve alunos a necessitar, muito mais do que aprender a ler, de uma refeição quente, ou de um colo onde encontrar o afecto que lhe faltava em casa ? Não sei a sua resposta, mas se o seu percurso profissional não se revê no que eu acabo de descrever, então Srª Ministra, desculpe, mas não admito que decida o que quer que seja, em meu nome e sem me ouvir !

Tenho 34 anos de serviço e apesar de me ter quase sempre sentido desconsiderada pelos sucessivos governos do meu país, nunca desisti dos meus alunos e fui professora, enfermeira, mãe, psicóloga, assistente social e colmatei todas as situações em que as obrigações dos governos iam falhando. Obviamente, tendo iniciado funções docentes em 1972, assisti a inúmeras tentativas falhadas dos governos de introduzir medidas reformadoras no ensino, sem nunca pararem para fazer uma avaliação credível e sempre ao sabor da orientação dos Ministros que se foram sucedendo, quase sempre fingindo que ouviam os professores.

E agora hábil e maquiavelicamente a Ministra faz, num total desrespeito pelos docentes deste país, passar a mensagem de que a culpa do insucesso governativo na área da educação é dos professores. Assisto ao ataque mais violento que desde o regime fascista foi feito à minha condição de Docente e de Mulher, com as medidas que a Ministra propõe no novo ECD. Poderia exemplificar com inúmeras histórias de mulheres professoras que conheço mas vou falar do meu caso que representa uma faixa etária de quem, pensando até há pouco tempo estar em fim de carreira, se assombra e ainda não acredita no injusto e violento abanão que o país pela voz da Ministra lhe está a infligir: - Com o meu tempo de serviço passarei a Professor Titular destacando-me dos meus colegas que serão APENAS Professores ou ainda menos, candidatos a professores e assim poderão ficar indefinidamente porque o sistema de avaliação é tão repressivo que muito dificilmente poderá progredir mesmo que tenha um desempenho exemplar, porque as quotas fixarão o número de professores bons que uma escola pode ter. - Sendo Coordenadora de Departamento terei de avaliar os meus colegas com todos os problemas pessoais que daí podem surgir e serei avaliada pelos pais dos alunos com todo o tipo de pressões e conflitos que inevitavelmente ocorrerão. - Terei de assistir à repressão prevista para se abater sobre as minhas colegas, Mulheres em idade fértil, que tiverem a péssima ideia de quererem realizar-se como Mães porque nesse ano não serão avaliadas e nos anos seguintes se precisarem de faltar mais de cinco dias, serão castigadas com a avaliação de Insuficiente, correndo o risco de serem afastadas da carreira !!!!! Inacreditável !

Uma mulher que pretende penalizar outras mulheres por estes motivos não andou na Faculdade de Letras em Lisboa nos aos 70-74, a ser perseguida e a levar bastonadas da polícia de choque Marcelista que nos espancava, mesmo em estado de gravidez adiantada até nos fazer abortar. - O meu discurso parece exageradamente dramático ? Não é !!! - O que é DRAMÁTICO é a maneira injusta e cruel como a opinião pública está a julgar e crucificar em praça pública os professores deste país, deixando-se influenciar pelos habilidosos discursos de quem sabe que o elo mais fraco do sistema educativo são os docentes, sendo estes portanto o alvo ideal para o povo descarregar a sua frustração e raiva pelo rumo que o país está a tomar, em viagem vertiginosa para outra ditadura.

Lúcia Maria de Mello Serpa

ANA


Para fugir à maioria dos mortais, sou daquelas pessoas que gosta do nome que tem. Chamo-me Ana. É um nome como eu, pequeno, simples, fácil de pronunciar. Vinda de uma família muito simples sem muitas aspirações, com muitas devoções e ainda mais preconceitos. Os meus pais são lisboetas. Conheceram-se em crianças, na escola. Começou então, um namorico que as pessoas que o notaram classificaram de criancice, o desabrochar para o semelhante, claro que nessa altura não se classificava assim, dizia-se apenas que a menina iniciava a "idade do guarda-fato" e o rapaz já começava a ter a mania que era franganote. O tempo foi passando, a vida foi correndo e o franganote tornou-se homem, começou a trabalhar, era um senhor, empregado de escritório que já trazia o seu ordenado para casa dos pais. Vejam lá! O meu filho teve sorte! Logo no primeiro emprego que arranjou, começou a ter um ordenado maior do que o pai que já está há tantos anos na Guarda Fiscal. Isto para a mãe do rapaz era uma honra, ela que nem o nome sabia fazer. A menina tornou-se moça e também se empregou, também era empregada de escritório. Os dois trabalhavam na Baixa onde toda a gente se vê, todos os dias, mas ninguém se conhece. O rapaz morava no Bairro do Caramão da Ajuda e a rapariga na Boa-Hora. Os transportes eram os mesmos, as horas também. Surgiu uma atracção, um medo pelo que se começava a sentir que era novo e, por isso, diferente. A primeira conversa surgiu recordando a meninice, as brincadeiras de criança foram faladas no eléctrico, onde os primeiros encontros eram casuais. Chegaram, mais tarde à conclusão que a conversa era agradável, a companhia boa e a viagem que, ás vezes era enorme, tornou-se curta, rápida. Havia tanto para contar! Das conversas do passado passou-se ao presente. O que faziam, como faziam, o que gostavam, e havia tanta opinião comum no dia a dia que levavam. Do compartilhar tempo de viagem começou a sentir-se prazer em compartilhar tempo livre, em mudar conversas de todos os dias para conversas de alguns dias e mais tarde para aquelas conversas a que eu chamo de raros dias para raras pessoas. Chegaram então à conclusão que as afinidades não eram só em relação à vida de trabalho que levavam mas também existiam em certas opções, certas preferências e, por fim, até em emoções, em afeições, em sentimentos. Surgiu então a poesia e, no dia 8 de Julho de 1950, a menina mulher e o franganote já homem, casaram. Começou outro estilo de vida, era tudo compartilhado, o espaço, o tempo, a ideia, o pensamento e, no dia em que esse compartilhar foi um dar total, surgiu a Ana, tão pequenina, tão minúscula, tão discreta que nem ela sabia que já existia e que era gente. Não fui desejada. A minha mãe ainda achava que era muito cedo para ter filhos, tinham casado há muito pouco tempo, na casa ainda havia muita coisa para completar. Então, o meu avô materno deu a sua opinião: - A primeira gravidez é sagrada. E nós cá estamos para ajudar. A maioria da família concordou e eu tive autorização para nascer.

23 de fevereiro de 2007

Este é o primeiro

Como tem de haver sempre um primeiro post, este é mesmo a despachar e logo penso no próximo...