21 de outubro de 2007

ANA


Para fugir à maioria dos mortais, sou daquelas pessoas que gosta do nome que tem. Chamo-me Ana. É um nome como eu, pequeno, simples, fácil de pronunciar. Vinda de uma família muito simples sem muitas aspirações, com muitas devoções e ainda mais preconceitos. Os meus pais são lisboetas. Conheceram-se em crianças, na escola. Começou então, um namorico que as pessoas que o notaram classificaram de criancice, o desabrochar para o semelhante, claro que nessa altura não se classificava assim, dizia-se apenas que a menina iniciava a "idade do guarda-fato" e o rapaz já começava a ter a mania que era franganote. O tempo foi passando, a vida foi correndo e o franganote tornou-se homem, começou a trabalhar, era um senhor, empregado de escritório que já trazia o seu ordenado para casa dos pais. Vejam lá! O meu filho teve sorte! Logo no primeiro emprego que arranjou, começou a ter um ordenado maior do que o pai que já está há tantos anos na Guarda Fiscal. Isto para a mãe do rapaz era uma honra, ela que nem o nome sabia fazer. A menina tornou-se moça e também se empregou, também era empregada de escritório. Os dois trabalhavam na Baixa onde toda a gente se vê, todos os dias, mas ninguém se conhece. O rapaz morava no Bairro do Caramão da Ajuda e a rapariga na Boa-Hora. Os transportes eram os mesmos, as horas também. Surgiu uma atracção, um medo pelo que se começava a sentir que era novo e, por isso, diferente. A primeira conversa surgiu recordando a meninice, as brincadeiras de criança foram faladas no eléctrico, onde os primeiros encontros eram casuais. Chegaram, mais tarde à conclusão que a conversa era agradável, a companhia boa e a viagem que, ás vezes era enorme, tornou-se curta, rápida. Havia tanto para contar! Das conversas do passado passou-se ao presente. O que faziam, como faziam, o que gostavam, e havia tanta opinião comum no dia a dia que levavam. Do compartilhar tempo de viagem começou a sentir-se prazer em compartilhar tempo livre, em mudar conversas de todos os dias para conversas de alguns dias e mais tarde para aquelas conversas a que eu chamo de raros dias para raras pessoas. Chegaram então à conclusão que as afinidades não eram só em relação à vida de trabalho que levavam mas também existiam em certas opções, certas preferências e, por fim, até em emoções, em afeições, em sentimentos. Surgiu então a poesia e, no dia 8 de Julho de 1950, a menina mulher e o franganote já homem, casaram. Começou outro estilo de vida, era tudo compartilhado, o espaço, o tempo, a ideia, o pensamento e, no dia em que esse compartilhar foi um dar total, surgiu a Ana, tão pequenina, tão minúscula, tão discreta que nem ela sabia que já existia e que era gente. Não fui desejada. A minha mãe ainda achava que era muito cedo para ter filhos, tinham casado há muito pouco tempo, na casa ainda havia muita coisa para completar. Então, o meu avô materno deu a sua opinião: - A primeira gravidez é sagrada. E nós cá estamos para ajudar. A maioria da família concordou e eu tive autorização para nascer.

3 comentários:

Unknown disse...

Ao ler a história da "Ana", foi como estar a ver a ver um filme. Muito bem escrito. Como ando muito chorona, comoveu-me. Adorei. Quero ler o resto dos capitulos... Muitos beijinhos. Cristina

20visitar disse...

Também gostei muito que me viesse visitar. Obrigada pelos elogios

Anónimo disse...

E ainda bem que veio essa autorização para nascer. Creio que o mundo terá ficado mais rico... eu, pelo menos, fiquei.

Cláudia