30 de novembro de 2008

Lenda de Almaceda

Lendas de Portugal, segundo Gentil Marques.
aqui surge uma lenda estranha e impressionante. Estranha, pela sua própria concepção que é muito diferente de outras histórias do género, impressionante por evocar o mundo do sobrenatural, sempre tão próximo e tão afastado do nosso pensamento.
Escutei esta história quando era pequenito e irrequieto, numa noite de tormenta. A certa altura, nem sei porquê, disse que tinha visto uma caveira a espreitar pela janela, iluminada por um relâmpago. Foi o suficiente para que a velha criada, a Maria do Rosário, começasse a tremer e a benzer-se e fosse, numa corrida fechar a janela. Depois, tremendo sempre e benzendo-se, contou-me a história que eu vou tentar reproduzir. A história da sua terra...

Há muitos, muitos anos, onde hoje fica situada a freguesia de Almaceda, existiam apenas, enormes extensões despovoadas. E por ali costumava correr no seu cavalo favorito, um fidalgo de nome Rodrigo - jovem, rico mas bastante aventureiro. Este fidalgo já não tinha os seus pais e vivia com sua irmã, D. Madalena, numa casa senhorial, rodeados de criados. Tudo, porém, o aborrecia excepto aqueles passeios pela manhãzinha ou ao entardecer, nos dias em que as chuvas não vinham alagar os campos. E, quando o tédio começava a incomodá-lo fugia para a Corte ou para onde pudesse divertir-se e gastar o seu dinheiro...

Certa manhã de Março, mal acabara o sol de surgir no horizonte, D. Rodrigo e D. Madalena montaram a cavalo e saíram para o seu habitual passeio. Ainda não estavam longe de casa quando, de súbito, o fidalgo estacou a montada, olhando fixamente um ponto. D. Madalena, apercebendo-se de que seu irmão ficara para trás, parou também o cavalo e perguntou curiosa:
- Que estás a ver?
- Ou eu estou ainda a sonhar - responde o irmão - ou junto àquele arbusto está uma caveira!
- Rodrigo! Que ideia a tua! Não brinques com essas coisas!
- Não estou a brincar. Ora repara! Vês... além?
O coração da jovem bateu apressado.
- Sim... Parece que, na verdade...
D. Rodrigo tornou-se brincalhão.
- Vamos! Coragem!... Desce do teu cavalo e vem comigo cumprimentar a caveira!
- Rodrigo! Por favor! Tem mais respeito pelos mortos!
- Respeito? - disse D. Rodrigo rindo - Queres ainda mais respeito do que estou a demonstrar? Chegamos ao apuro de interromper o nosso passeio, para lhe dirigir um cumprimento!...
- Rodrigo! Não gosto dessas brincadeiras, já te disse!
- Grande medrosa! Nem pareces minha irmã! Porque tremas assim? É apenas uma caveira que ali está!
Olhando de soslaio, Madalena inquiriu a medo:
- Mas donde teria vindo?
D. Rodrigo soltou uma gargalhada.
- Minha tonta! Queres saber donde veio aquela caveira?... Do cemitério, com certeza! Aquilo por lá deve andar muito aborrecido e ela resolveu dar um passeio, como nós!
- Rodrigo! Não brinques mais!
- De que tens medo? Aquilo são ossos do corpo humano, nada mais.
- Bem sei. Mas devemos ter respeito por eles... Vamo-nos embora! Não me sinto bem aqui...
- Pois vamos! Antes, porém, de abandonarmos o local, manda a etiqueta que desejemos a esta caveira um bom dia...
- Rodrigo! Por favor!
O Tom suplicante da irmã irritou-o. E resolveu contrariá-la, continuando em tom de mofa:
- E já agora... se, na verdade, a caveira saiu do cemitério por estar aborrecida... devo lembrar-lhe que, às vezes, também estou aborrecido... E, como resido aqui perto, tenho muito prazer em convidá-la para jantar, hoje, comigo!
Madalena tapou o rosto com as mãos, numa crise de choro.
- Que heresia, Rodrigo! Que heresia!
E esporeando o cavalo, a jovem amazona voltou para casa, deixando atrás de si as gargalhadas impertinentes do irmão, que ria do seu pânico...

Contudo ainda a donzela galopava à vista, quando aos ouvidos de D. Rodrigo soou uma voz cava e pausada, vinda não se sabia de onde:
- Cavaleiro! Não quero de forma alguma desapontar-te... Se isso te diverte, podes estar certo que, esta noite, não esquecerei o teu convite...
O jovem fidalgo olhou em volta. Ninguém, além dele próprio e da figura vaga da irmã que continuava galopando, a perder-se na distância...
O riso morreu-lhe na garganta. Seria uma alucinação dos seus sentidos? Sentiu-se inquieto. Estava já arrependido da sua brincadeira macabra. Bem lhe tinham recomendado mais respeito pelos mortos...

Conforme reza a história, D. Rodrigo ficou-se ainda uns momentos a olhar a caveira no solo. Sem voz. Sem gestos, De súbito, montou o seu cavalo e galopou em direcção ao mosteiro mais próximo, onde contou o sucedido. Os frades julgaram que ele não estaria no seu juízo perfeito e, apenas lhe deram uma pequena cruz para colocar no peito, pois isso o livraria dos ataques do Demónio.. mais reconfortado, D. Rodrigo voltou ao solar onde a irmã o esperava, transida de pavor.
- Tardaste tanto! São quase horas de jantar e eu morro de medo!
desta vez ele não brincou.
- Sossega! Tudo correrá bem. Trago comigo esta cruz dada por um dos frades do mosteiro...
- Ouve, Madalena! Se alguém estranho vier jantar hoje connosco, teremos de o receber como bons anfitriões. Já mandei colocar mais um talher na mesa. E avisei o nosso criado José de que a visita esperada hoje, vai causar-lhe grande pasmo.
A jovem olhou o irmão, num misto de assombro e medo
- Tu... tu pensas que, na verdade... alguém estranho virá aqui?
Ele acenou com a cabeça, afirmativamente, deixando a irmã mais trémula.
- Vai para o teu quarto. hoje dispenso-te ao jantar.
Madalena agarrou-se a ele e disse-lhe:
- Nem que morra de medo, hei-de ficar contigo! Não te deixarei sozinho!
Umas pancadas fortes na porta da entrada, interromperam a conversa.
- Aí está a nossa visita! É pontual!
- Benze-te Rodrigo! Pelo sinal da Santa Cruz, livre-nos Deus, Nosso Senhor, dos nossos inimigos...
Um grito do criado José interrompeu a oração de Madalena e logo uma voz cava, soturna, se fez ouvir.
- Diz a teu amo que sou o seu convidado desta noite.
tentando uma segurança que não sentia, o dono da casa ordenou:
- Entre, por favor! Tem o seu talher junto ao meu. Como vê... esperava-o!
E diz z mesma história remota que um vulto sem rosto entrou pelo salão. D. Madalena caiu numa cadeira. D. Rodrigo chamou a si todas as suas forças para se mostrar sereno.
- Queira sentar-se...
Mas a voz cava e soturna voltou a fazer eco no salão:
- Não vim aqui para cear contigo neste palácio. Vim apenas buscar-te!
D. Rodrigo empalideceu.
- Não compreendo...
- Quero que me acompanhes à minha morada.
- E... onde mora?
- Muito perto da Igreja. Vem comigo. Sou eu, agora, quem te convida. Preciso falar-te!
Reunindo todas as forças, D. Matilde pediu:
- Não vás, Rodrigo! Pode ser uma alma perdida!
A voz cava soou, de novo, mas desta vez num tom zombeteiro:
- Acaso terás medo, jovem fidalgo? Tu, o valente aventureiro de tantas noites de orgia?
- Meu irmão! Manda-o embora! Manda-o com Deus!
Mas D. Rodrigo sentiu que não podia fugir. Que não devia fugir. Que não queria fugir. Colocou a sua capa sobre os ombros e saiu, deixando a pobre Madalena chorando e cheia de medo...

Quando a porta do palácio se fechou sobre os dois vultos, o frio cortante da noite veio bater no rosto de D. Rodrigo. Não havia luar. Os gritos das aves nocturnas ouviam-de de vez em quando, soando como alerta. O jovem fidalgo tinha um peso enorme no peito, mas tentava não mostrar medo.
Começaram a andar. O vulto sem rosto à frente. D. Rodrigo um pouco atrás. Nem uma única palavra trocaram pelo caminho. Durante a caminhada, o jovem recordava o seu passado. Passado breve mas cheio de nódoas. E diz-se que o jovem D. Rodrigo, nessa hora, prometeu a Deus modificar-se, se não lhe acontecesse mal algum...

Chegados ao portal da Igreja onde apenas se adivinhavam as cruzes do cemitério, D. Rodrigo, involuntariamente, estacou. Então o vulto sem rosto voltou a falar:
- Entra na Igreja comigo! Conseguimos ser pontuais.
Efectivamente, no relógio da torre batiam pesadas e soturnas doze badaladas.
O jovem fidalgo voltou a hesitar. Mas já o vulto sem rosto gritava na noite escura:
- Entra! Não há tempo a perder! Esperam-me lá em baixo e já sabem que vem comigo um companheiro.
Os pensamentos chocaram-se no cérebro de D. Rodrigo. A fim de ganhar tempo, D. Rodrigo perguntou:
- Para onde me leva?
Então soou uma gargalhada. gargalhada horrível, lancinante que se ficou a repercutir no espaço. Depois, o vulto falou de novo, enquanto empurrava suavemente, o jovem fidalgo, obrigando-o a entrar na Igreja deserta:
- Vais conhecer o meu palácio. Vês esta lousa aberta? É a minha morada... Vamos, desce!
O moço fidalgo compreendeu que tinha que reagir. Estava à beira do abismo. Revoltou-se enérgico, juntando os restos de coragem:
- Para que hei-de descer?
- Tens medo?
- Não! Quem foi sepultado na igreja não pode ser uma alma penada!
Segunda gargalhada estridente fez fugir os pássaros nocturno que lá se tinham refugiado.
- Nessa parte é que reside o teu engano! O teu e o dos que me sepultaram. Julgaram-me bom em vida... Mas só Deus conhecia os meus grandes erros. Por isso Ele me condenou!
- Condenado?
- Sim! Agora já que troçaste de mim, quero que desças para saberes como é a minha ceia!
- Não vou! Deus proíbe-me que me enterre vivo.
- Se não fosse a cruz que trazes ao peito, eu te obrigaria a descer! E lá em baixo, sofrerias comigo o fogo da redenção!
Para si próprio, o fidalgo murmurou uma prece em que punha toda a sua alma.
- Que Deus me acuda!
Instantaneamente, o vulto sem rosto pareceu acalmar-se. A sua voz soou com mais brandura:
- Fui na terra um aventureiro como tu, sem respeito pelas coisas sagradas. Um homem fútil e leviano. Só fazia caridade por ostentação. Que a minha pena te sirva de alerta! cada vez que encontres algum corpo sem vida, lembra-te da alma que o abandonou, pois ela poderá precisar das tuas orações. Em vez de escarneceres... reza! Quando se te depare um osso humano, enterra-o com carinho em terreno sagrado, orando pelo eterno descanso daquele a quem pertenceu! Que a tua alma ceda à caridade e à compaixão pelos mortos! Que a tua alma ceda à caridade que estou a transmitir-te, pois começo a ver luz no meu caminho! Alguém está orando por mim. Alguém, neste momento faz promessas para me libertar!... É tua irmã! Por isso te dou um bom conselho: Vai-te e não esqueças quanto te disse, se quiseres também salvar-te! Que a tua alma ceda ao teu orgulho que foi teu apanágio, para que nela ocupe lugar o amor ao próximo!

A voz cava e soturna deixou de se ouvir. O vulto sem rosto desapareceu pela lousa aberta. Na Igreja o silêncio era pesado. Então, D. Rodrigo começou a correr para casa. A correr e a rezar. E a repetir, no meio das suas orações, numa estranha obsessão:
- Que a tua alma ceda! Que a tua alma ceda!
Chegando à porta do solar, D. Madalena, ali o esperava, sempre a rezar, caiu-lhe nos braços, chorando de comoção.
- Graças a Deus! Graças a Deus voltaste!
Como ele amiúde repetia a mesma (Que a tua alma ceda!) o povo das redondezas começou a tratá-lo por Almaceda.
Tempos depois, já refeito do choque, reorganizou a sua vida. Distribuiu parte das suas terras pelos que vinham ao solar pedir abrigo e, forem essas pessoas vindas das mais variadas terras que resolveram começar a chamar àquelas terras "Terras do Almaceda", mais tarde apenas Almaceda, em homenagem àquele fidalgo que tanto os ajudava.

28 de novembro de 2008

IX - Eremita


Esta carta pertence ao baralho de Tarot Casanova também conhecido por Erotic Tarot de Luca Raimondo, publicado por Lo Scarabeo em 2000.
Nesta carta está representado, principalmente, o recolhimento do mundo externo para se poder activar a mente inconsciente mas, o Eremita também é um mestre que nos poderá ensinar como encontrar o nosso próprio caminho daí o ver-se um homem velho, de barbas brancas, levando na mão esquerda um bastão onde se apoia e a direita levanta uma lanterna até à altura do rosto.
Esta imagem alimentou muito a imaginação da Idade Média pois, via-se o Eremita vivendo na floresta ou no deserto, longe de todos os interesses que se consideravam "normais" para o resto das pessoas. Estas, muitas vezes e, principalmente na Europa, consideravam-no santo, com poderes mágicos. Fosse homem ou mulher, o Eremita dava abrigo e abençoava os viajantes.
Assim, o Eremita é o velho sábio, sozinho, que é confortado e aquecido pelo seu espesso manto da contemplação. A lanterna faz com que vejamos o Eremita como guia e mestre pois oferece-nos a luz para que melhor consigamos encontrar o nosso caminho. O bastão do Eremita será portanto, o bastão de um feiticeiro.
Esta carta será a representação das fases introvertidas da nossa vida, em que sentimos necessidade de nos defender de influências estranhas para alcançar a nossa paz interior, longe das pessoas e de qualquer tipo de actividade. Aqui, sentimos necessidade de procurar a solidão.
Geralmente, através desta carta, somos conduzidos a formas mais maduras de amor.
Exercício de Meditação - Esta meditação será muito útil para pacificar a mente e encontrar-se interiormente.
Comece por escolher o local onde irá fazer esta meditação. Prefira um local calmo, não muito iluminado. Coloque a carta do Eremita, sobre uma mesa no ponto cardeal norte, acenda uma vela e sente-se confortavelmente à sua frente. Feche os olhos, inspire e expire até se sentir relaxado/a e calmo/a.
Sinta que à sua frente se encontra o arquétipo do Eremita. Observe-o bem, veja como ele está em perfeita harmonia com o ambiente que o cerca e detém em si a força interior para superar qualquer obstáculo.
Inspire e expire, sinta-se completamente relaxado/a. Está agora numa estrada comprida, é noite e apenas a luz brilhante da lua ilumina o seu caminho. Ao longe avista o Eremita, um velho frade que caminha na sua direcção com passos lentos, porém firmes. Ele dirige-se para si, traz consigo a lâmpada que ilumina o caminho escuro e o bastão onde se apoia.
Encontra-se agora com o Eremita. Ele vem oferecer-lhe a sua luz interior, luz capaz de dissipar trevas. Traz igualmente a sua mente e coração abertos e repletos de luz e paz. Observe-o. Veja como os seus olhos são bondosos, dirija-se a ele e diga-lhe: "Mestre, ilumina o meu ser, ajuda-me a encontrar a minha luz".
O Eremita coloca a sua candeia à altura do seu coração. Abra-o e preste atenção ao velho sábio, ele quer conhecê-lo/a melhor, fale com ele, ele aceitará tudo o que tiver para lhe dizer, até o seu silêncio, pois veio até si para ajudar e não para o/a repreender.
Agora é o momento de encontrar respostas: ouça o silêncio, sem pressa, leve o tempo que achar necessário, escute apenas com o coração.
O Eremita ajuda-o a escolher a chama que se ajusta à sua luz interior, guarde-a no seu coração.
Agradeça e despeça-se dele.
Observe o Eremita a afastar-se e, aos poucos, desvaneça a imagem do Eremita.
Concentre a sua atenção na respiração e saia progressivamente do relaxamento.
Afirmações (conselhos) para a carta do Eremita
- Aprendo com as experiências de cada dia. Cresço, mantenho o equilíbrio e deixo o meu espírito livre para ser verdadeiramente feliz.
- Eu sou a prudência.
- Eu sou a paz do meu silêncio interior.
- Eu sou a sabedoria.
- Eu sou a paciência.

26 de novembro de 2008

Holocausto






Recebi um e-mail, neste momento, que dizia, mais ou menos, isto....

Exactamente como foi previsto há cerca de 60 anos...
Faz parte da História Mundial e, mais especificamente, da II Guerra Mundial, o momento em que o Supremo Comandante das Forças Aliadas (Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, etc.) General Dwight D. Eisenhower, descobriu os campos de concentração e as suas vítimas. Nesse momento, num gesto de lucidez ordenou que se fizessem o maior número possível de fotos e mandou chamar os alemães das terras próximas para que fossem guiados àqueles campos de concentração e que, inclusivamente dessem sepultura aos mortos que ainda por ali se encontravam. 
E, por ter dado estas ordens acompanhou-as da seguinte explicação: "Que se tenha o máximo de documentação. Façam filmes, gravem testemunhos porque, em algum momento ao longo da história, algum idiota se vai erguer e dirá que isto nunca aconteceu"
"Tudo o que é necessário para o triunfo do mal, é que os homens de bem nada façam" (Edmund Burke).
Ora bem, o Reino Unido removeu o Holocausto dos currículos escolares porque "ofendia" a população muçulmana, que afirma que o Holocausto nunca aconteceu...
A II Guerra Mundial terminou por volta do ano de 1945 onde morreram 6 milhões de judeus, 20 milhões de russos, 10 milhões de cristãos e 1900 padres católicos que foram assassinados, massacrados, violentados, queimados, mortos à fome, humilhados e tudo o mais que se possa imaginar. Os alemães e os russos tinham outras prioridades em mente...
Agora, mais do que nunca, com o Irão, entre outros, sustentando que o "Holocausto é um mito" é muito importante fazer com que o mundo nunca esqueça. O e-mail que recebi deveria ser lido por 40 milhões de pessoas em todo o mundo. Vamos, cada um de nós, tentar ser um elo desta cadeia e participar reenviado ou até, se possível traduzindo para outras línguas...
Não o apague, muito menos da sua memória.

22 de novembro de 2008

Lenda da água que beba dela

Lendas de Portugal de Gentil Marques.
Beatriz bordava, sozinha na pequena sala.
Lá fora, a atmosfera pesada punha ameaças de tempestade no cérebro e no coração das gentes. Uma inquietude estranha fazia agitar com mais rapidez do que seria necessário o braço da jovem Beatriz conduzindo a agulha com mestria. Mas o ritmo do bordado seguia com o seu pensamento. Quanto tempo teria de estar privada de ver e ouvir o seu bem amado? Amava em silêncio, porque tudo ali, naquela casa, tinha de ser feito em silêncio. O pai achava-a muito nova para pensar em casar. A madrinha, que a criara desde pequena após a morte de sua mãe, educara-a sim, mas não lhe dera amor! Quanto ao seu pai, embora sempre lhe testemunhasse grande carinho, tinha os seus múltiplos problemas e achava que uma donzela já podia considerar-se feliz se tivesse um palácio, bom nome, fortuna e um pai que a amasse...
Tanto, na verdade, ela possuía. Contudo... não se sentia feliz!
Quando, certa tarde, vira Pedro de Trava pela primeira vez, os olhos de ambos gritaram logo uma jura de amor.
Sim, Pedro amava-a também! Apenas esperava o momento que ela encontrasse propício para a pedir ao pai. Para estas coisas, nem todas as ocasiões servem. Beatriz bem o sabia. Por isso, aquela espera em silêncio. Um silêncio que a atormentava.
A porta da salinha de estar abriu-se quase sem ruído. Mas Beatriz pressentiu alguém entrar e olhou. Era D. Ximena, a madrinha. Tinha algo de fulgurante no olhar e Beatriz amedrontou-se. Numa voz que procurava ser afável, D. Ximena perguntou:
- Beatriz... Que tens? Porquê tanto afã no teu bordado?
Beatriz tentou sorrir.
- Trabalho para não me aborrecer.
D. Ximena sorriu também. Um sorriso estranho, que fez paralisar o braço de Beatriz. Tentava ler no íntimo daquela que a tinha criado mas que não aprendera a amar. A dama olhou-a também, com olhar penetrante. E a sua voz soou falsa aos ouvidos da donzela:
- Beatriz, sei que a minha presença não te basta... e o teu pai tem vários assuntos que lhe roubam o tempo. Daí esse tédio a espicaçar-te os nervos. A tua idade é perigosa... Estás, precisamente, na idade de amar...
D. Ximena calou-se. Mas o seu olhar continuava fixo no rosto de Beatriz, que se sentiu corar. Para disfarçar a sua confusão tentou dizer qualquer coisa.
- Senhora, as donzelas como eu quase não sabem se devem ou não amar... se é que isso é coisa dominável.
A dama então sorriu abertamente.
- Nada mais dominável que o amor!
Beatriz olhou-a de novo, intrigada. A madrinha continuava a sorrir. Parecia satisfeita. Pousou-lhe uma das mãos no ombro.
- A tua hora chegou, Beatriz!
O coração da jovem bateu forte. Mas tentou mais uma vez disfarçar o tumulto da sua alma.
- Meu pai não será talvez da mesma opinião...
D. Ximena passou-lhe os dedos pelos cabelos, gesto que Beatriz não se lembrava de jamais lhe ter notado.
- Conheço a opinião de teu pai. Por isso estou falando contigo desse assunto, para te dizer que podes contar com a minha ajuda...
Beatriz olhou a madrinha bem de frente, receosa de que fosse ilusão ou pura brincadeira. Notou-lhe uma estranha expressão de triunfo, mas confundiu-a com a de sincera alegria. Levantou-se e tomou-lhe a mão, num gesto quase infantil.
- Ai, minha madrinha, como estou contente! Pedro é bom... valente... nobre...
Num gesto seco, D. Ximena sacudiu a mão de Beatriz. A sua voz era agora áspera. O sorriso desaparecera-lhe.
- Pedro? ...
Aturdida, Beatriz murmurou, já a medo:
- Sim ...
D. Ximena baixou a voz, sibilando quase:
- Referes-te... ao conde Pedro de Trava?
Cada vez mais assustada, Beatriz concordou:
- Sim ... refiro-me a Pedro de Trava ... Não era a Pedro que desejáveis ajudar?
A resposta veio breve e seca:
- Não!
- Então ... não compreendo o vosso desejo de ajuda ... Como quereis ajudar-me?
- Vou explicar-te: é meu intento casar-te com o meu sobrinho, o nobre Raimundo de Toscana. E casar-te quanto antes!
Beatriz olhou-a com horror.
- Não, a senhora não fará isso! ... Nem sequer conheço o vosso sobrinho ...
D. Ximena encolheu os ombros:
- Terás tempo de sobra para o conhecer.
Beatriz mordeu os lábios, para evitar a fraqueza de chorar. Queria mostrar-se forte.
- Meu pai não quer casar-me por enquanto!
D. Ximena encolheu de novo os ombros.
- Não me aflige a vontade de teu pai. Vive agarrado às suas terras e ao seu dinheiro. Mas é tempo de ir pensando no teu dote... que deve ser avultado ...
Beatriz olhou com desprezo a dama que lhe falava. Sentiu-se de súbito fortalecida.
- É então o meu dote que está em causa? ...
O rosto de D. Ximena tornou-se lívido.
- Como ousas falar-me assim? Ouve o que tenho a dizer-te. Não sei quando nem como conheceste Pedro de Trava. Também não me interessam as juras que tenham trocado. Deliberei casar-te com Raimundo e casarás com ele, mesmo que o teu coração neste momento não lhe pertença! Falaremos com teu pai, amanhã de manhã. Quando o sol voltar a nascer, terá mais uma incumbência: anunciar o teu primeiro dia de noivado!
E sem mais acrescentar nem sequer ouvir, D. Ximena saiu da salinha - onde Beatriz ficou, por momentos, como petrificada. Encostou-se depois a um móvel, tentando acalmar o seu espírito em confusão. Mas já a sua dama de companhia corria ao seu encontro:
- Estais bem, D. Beatriz?
A jovem recuperou um pouco mais a lucidez.
- Aproxima-te, Juliana. Preciso de ti! Viste a minha madrinha?
- Sim ... vi-a quando saía ... Ia tão apressada, tão pálida, tão nervosa, que me assustei!
- Ouve, Juliana: ela quer casar-me com o sobrinho, D. Raimundo!
A rapariga abriu os olhos num espanto.
- Aquele que só faz o que ela manda?
- Sim, esse.
- Ó céus! E que havemos de fazer?
- Vai imediatamente ao castelo dos Travas e pede para falares com o jovem conde. Vê lá, não te enganes! Só falarás com Pedro! E conta-lhe tudo.
- Sim, D. Beatriz, assim farei. Mas terei de sair daqui sem ser vista.
- Arranja-te como puderes. E diz mais: é necessário que Pedro venha amanhã de manhã pedir-me a meu pai!

A noite começou a cair lentamente. Beatriz não viu mais a sua dama de companhia. Em dado momento, D. Ximena perguntou por ela. Beatriz sobressaltou-se. E mentiu:
- Foi arranjar-me linhas para o meu bordado. Deve andar por aí.
A dama franziu as sobrancelhas e ficou um momento estática. Depois saiu da sala. Quando voltou vinha colérica.
- Encontrei Juliana, mas justificou sua ausência com o arranjo de um vestido teu... e estava totalmente esquecida das linhas. Para castigo de tanta impostura, vais já para o teu quarto... e hoje não voltarás a ver Juliana.
Beatriz obedeceu sorrindo. Juliana já voltara e o facto de poder agora estar sozinha com os seus pensamentos era para a jovem mais apetecível do que a companhia da velha dama. Ao entrar no quarto, Juliana apareceu-lhe de repente.
- D. Beatriz! Dei o recado e o senhor conde diz para ficardes descansada. Ele virá de manhã falar com o vosso pai.
E, dando meia volta, a rapariga desapareceu nos corredores, veloz como uma gazela.

Beatriz dormiu toda a noite. Como eram longas as noites de espera! Jamais o sol lhe viria a parecer tão preguiçoso. Mas, quando ele chegou cheio de força e de beleza, a inquietude de Beatriz não serenou. Todo o seu pensamento estava preso na decisão do pai. Se ao menos o tivesse visto... lhe tivesse falado! Mas D. Ximena afastara-a dele. Propositadamente, bem o sabia. Oh! que espécie de mulher era a que fora escolhida para a educar e criar!
O tempo parecia arrastar-se como serpente no chão. Nem D. Ximena nem Juliana apareciam. Teria acontecido alguma coisa à rapariga? Talvez D. Ximena a tivesse castigado, quando se vira em face do outro pretendente à sua mão. E qual seria a decisão do pai? Qual seria?
Foi até à porta para tentar saber o que se estava passando. Porém, a porta estava fechada. A revolta assediou-a. Presa! - pensou. D. Ximena mantinha-a em clausura. Porquê? Porque Pedro de Trava viera, decerto! Daí o seu ódio, o seu desejo de agir mais livremente.
Bateu com os punhos na madeira. Bateu loucamente, como quem deseja fugir ao perigo. Ouviu passos apressados. Depois, a porta abriu-se e o pai entrou, sozinho. Estava visivelmente contrariado.
- Que alarido é este?
Beatriz amarfanhou no peito toda a sua ansiedade.
- Senhor! Queria sair... e a porta não se abria!
- Que ideia! Abri-a sem esforço. Onde está Juliana?
- Ainda hoje a não vi.
- E a tua madrinha?
- Estive sempre só, meu pai.
- Que dia estranho!
Fez uma pequena pausa. Passou a mão pelas barbas esguias e olhou a filha de frente.
- Beatriz! Acabo de receber dois pedidos de casamento para a minha única filha. Dois pedidos... e quase à mesma hora!
O coração de Beatriz batia aflitivamente. Perguntou a medo:
- E... que respondeste, meu pai?
O fidalgo voltou a cofiar as barbas já grisalhas. Sorriu, intimamente satisfeito.
- Respondi um sim à minha maneira.
Foi a vez de Beatriz ficar intrigada.
- Um sim... aos dois?
O pai continuava a sorrir...
- Pois é verdade: um sim aos dois!
Alarmada, julgando não ter ouvindo bem, Beatriz exclamou:
- Mas é impossível!
Uma risada ecoou no aposento.
- Claro que é impossível! Mas nenhum dos teus pretendentes poderá dizer que o excluí! Serão eles os primeiros a desistirem...
Beatriz arriscou:
- Senhor... mas esse processo...
- Que processo?
- De... dizer sim a dois...
O fidalgo riu de novo. Os seus olhos piscos fitaram a filha com malícia.
- Usei um velho ardil.
- Um ardil?
- Ora, estes pedidos de casamento surpreenderam-me bastante. Confesso que não esperava fazer-te sair já da minha tutela. Todavia... se houvesse entre os pretendentes alguém que pudesse portar-se à altura de te merecer...
O fidalgo fez uma ligeira pausa. Beatriz parecia nem respirar. Ele continuou:
- Enfim, livrei-me deles dizendo que cederia a mão da minha filha Beatriz àquele que primeiro desse cumprimento a um destes meus dois desejos: um dos pretendentes, à escolha, teria de colocar sozinho, a cúpula na igreja desta terra; o outro, de trazer a água da levada de S. Romão até à vista deste solar.
Beatriz sentou-se numa cadeira.
- Mas o primeiro é inteiramente impossível!
O fidalgo riu.
- O que elimina já um dos concorrentes! Quanto à levada, não marquei tempo... e até lá...
- Qual deles escolheu a levada?
O fidalgo sorriu com desprezo.
- A tua madrinha exigiu essa cláusula para Raimundo de Toscana. Mas está furiosa comigo. Acha-a abominável!
Riu de novo, alto, não reparando sequer na palidez de Beatriz.
Ela interrogou ainda:
- E... o outro?
- O outro? Oh! É decerto um visionário. Em vez de desistir, agradeceu-me a grande honra que lhe concedia e... aceitou!
Beatriz sentiu o coração bater-lhe ainda mais forte. Mas já o pai lhe passava o braço pelos ombros e a fazia descer até ao salão, dizendo:
- Vamos passear um pouco. Precisamos de ar puro!

Alguns dias passaram. Dias de ansiedade e solidão para Beatriz. Juliana - segundo lhe haviam dito - fora a casa dos pais tratar de um deles que adoecera. E D. Ximena parecia demasiado ocupada com outros assuntos e não encontrava tempo livre para fazer companhia à afilhada. Quanto a Pedro, só na véspera lhe enviara um estranho recado pelo tratador dos cavalos. E o recado repetia-o ela, vezes sem conta: "Só Deus nos poderá ajudar amanhã". Confiava no seu bem-amado. Mas que poderia ele fazer? Esse "amanhã" acabava de chegar e nada de novo vinha até ela.
De súbito, D. Ximena entrou, cortando-lhe os pensamentos. Vinha mais altiva e agreste do que nunca. Foi logo direita ao assunto:
- Beatriz! D. Raimundo começou já a dar provas do seu grande amor por ti! Um fidalgo como ele, cavando, sozinho, a terra dura, para ter direito à tua mão, é na verdade enternecedor!
Beatriz replicou:
- Pelo menos, dá provas de uma cega obediência!
A dama olhou-a empertigada:
- Obediência?...  A quem?
Altiva, a jovem respondeu:
- A vós... minha madrinha!
D. Ximena falou com mais rispidez:
- Pensas então que ele age por obediência? Enganas-te. Ele ama-te, Beatriz! Enquanto o outro nada faz para te merecer!
Beatriz sentiu-se ferida. Revoltou-se.
- O outro, como a madrinha diz, irá em breve à nossa igreja colocar a cúpula, na presença de fidalgos amigos da nossa casa.
A dama alarmou-se:
- Como o sabes? Quem te disse essa patranha?
- O ,eu coração que não falha!
- Louca! Colocar a cúpula! Bem sabes que isso é humanamente impossível. teu pai exigiu duas provas para que só um fosse beneficiado. E o primeiro a escolher a única realizável foi o meu sobrinho e teu noivo!
- A levada ainda vem longe - respondeu Beatriz.
- Mas ele trabalhará sem descanso! E chegará aqui! Enquanto o outro, nem hoje nem nunca colocará a cúpula na igreja!
- A Deus nada é impossível! Ele e eu acreditamos que o Senhor nos ajudará... para confundir os ambiciosos!
- Decerto estás louca e ofendes-me! Esquece esse homem... porque já é tarde para pensares nele!
- Deixai-me só! Preciso orar!

No corredor surgiram então passos apressados. As duas mulheres calaram-se, olhando ansiosamente a porta de entrada. E o velho fidalgo surgiu, com uma expressão de espanto no olhar. Dirigiu-se à filha:
- Beatriz! O conde Pedro de Trava acaba de colocar a cúpula na igreja, perante numerosa assistência! O caso não tem precedentes! Dei-lhe a tua mão!
A jovem caiu nos braços do pai e D. Ximena, praguejando entre dentes, saiu espavorida.
Sós, pai e filha ficaram assim largo tempo abraçados. Depois, meigamente, ele falou:
- Como poderia supor que amavas tanto esse homem e que ele te amava tanto? Dei-lhe para realizar um cometimento que julguei impossível. Mas ele, depois de orar largo tempo, colocou sozinho a cúpula, sem demonstrar grande esforço.
- E onde está Pedro?
- Na igreja. Voltou a prostrar-se de joelhos. Mais logo será recebido aqui, com as honras que ele e tu merecem. Só espero que sejas muito feliz!
- Serei sim, meu pai. Tenho a certeza.

Entretanto, D. Ximena corria como louca direita à levada que já vinha próxima. Ao chegar junto ao sobrinho, gritou-lhe com fúria:
- Que fazeis, imbecil!
Ele suspendeu o seu árduo trabalho e tentou explicar.
- Falta já pouco! Dentro de algumas horas estarei à porta do solar! Vede como corre a água!
- Pois beba dela, seu pateta! Beba dela porque o outro já colocou a cúpula!
Raimundo sentou-se com desânimo no próprio chão molhado. Alguns populares riam à socapa e repetiam a frase de D. Ximena.
- Que beba dela!... Que beba dela!...
E assim,andando de boca em boca, nasceu o nome de BOBADELA à pitoresca povoação pertencente ao concelho de Oliveira do Hospital.

NOTA:- Não encontrei em lado nenhum explicação de modo como Pedro de Trava colocou SOZINHO a cúpula no topo da igreja.
Quando li esta lenda lembrei-me de uma Gata Borralheira à portuguesa...

18 de novembro de 2008

VIII - Justiça

Esta imagem pertence ao tarot Art Nouveau de Matt Myers, publicado por US Games em 1989.
Uma figura andrógina segura na sua mão direita uma espada desembainhada e na esquerda, uma balança com os pratos em equilíbrio. A imagem deste trunfo foi inspirada na deusa titã grega Témis, que aparece, com a sua venda nos olhos e a sua balança, nos afrescos dos palácios da justiça em todo o mundo ocidental. Os olhos estão vendados para nos mostrar que a lei não discrimina (ou não deveria discriminar).
O Oitavo Arcano Maior representa o conhecimento claro e objectivo, o julgamento consciente e decidido, a incorruptibilidade, o equilíbrio e a sinceridade - e mostra que atingimos o nosso próprio senso das leis. Esta carta significa, principalmente um alto grau de responsabilidade, mostra que nada nos é dado de presente e, também não nos é negado pois nós somos os únicos responsáveis por aquilo que conseguimos e experimentamos. Aqui é enfatizado o princípio da sinceridade e do equilíbrio.
Exercício de Meditação:- Virado/a para leste, coloque sobre uma mesa o arcano número oito A Justiça. Coloque-a à sua frente em sentido vertical e olhe atentamente para ela durante uns minutos.
Pegue num papel e numa caneta e escreva o que deseja obter (ganho de uma causa que pensa ser justa para si; o resultado do seu trabalho ou o que precisa harmonizar dentro de si ou nas suas emoções).
Sente-se confortavelmente em frente ao arcano, feche os olhos, faça algumas respirações que o/a auxiliem a descontrair, observe o ar a entrar e a sair, relaxe.
Visualize o arquétipo da justiça. Diante de si está uma bela e jovem mulher, ela transmite-lhe um ar muito simpático, gentil e equilibrado. A justiça está no seu trono e numa das suas mãos tem a sua espada que usa para separar a fantasia da realidade, a confusão e a falsidade das verdades: na outra segura uma balança para pesar o perfeito e o imperfeito de cada energia.
Olhe atentamente para ela e aproxime-se. Inspire e expire profundamente. A energia da Justiça começa a fluir para si, deixe-se envolver por ela e diga-lhe:
"Senhora da perfeita justiça, rainha do equilíbrio e da harmonia..." (tudo o que escreveu anteriormente no papel diga agora, pessoalmente, à Justiça, fale com verdade e com o coração).
A Justiça coloca a mão sobre o seu coração e examina-o, deixe fluir as suas emoções...
A Justiça está agora a transmitir-lhe energias positivas como coragem, generosidade, sucesso, integridade, harmonia e equilíbrio interior, abra o seu coração a essas energias e deixe-as fluir.
A partir de agora irá sentir-se com mais equilíbrio na maneira como age, com as suas emoções em plena harmonia, encontrará a paz interior e a sua mente estará mais tranquila, pois sente-se agora renovado/a com a energia da Justiça.
Agradeça e despeça-se. Aos poucos, desvaneça a imagem da jovem mulher Justiça. Volte a inspirar e expirar o ar, concentre-se nas suas respirações e, aos poucos, volte a tomar consciência do lugar onde se encontra. Abra os olhos, espreguice-se.
Dê a meditação por concluída. Pegue no papel e na carta A Justiça, guarde-os juntos durante uns dias. Quando sentir que é tempo suficiente, vá buscar novamente o papel, releia o que escreveu e coloque-o num sítio onde o possa reler todos os dias. Faça isso até ter atingido os seus objectivos. Quando tiver conseguido os seus objectivos, queime o papel e sopre as cinzas ao vento.
Afirmações (conselhos) para a carta A Justiça:
- Tenho equilíbrio e harmonia em todos os aspectos da minha vida. A minha vida flui de forma positiva e em total acordo com o Universo.
- Eu sou o equilíbrio.
- Eu sou a imparcialidade.
- Eu sou a disciplina.
- Eu sou a prontidão.

7 de novembro de 2008

Lenda da Batalha da Cobra

Lendas de Portugal de Gentil Marques.
Naquele tempo - há muito tempo... - o filho de um rei egípcio saiu do seu país e veio aportar a terras da antiga Lusitânia.
Encontrou vasto campo disponível e instalou-se aí depois de breve luta. Sem dificuldade, rodeando-se de alguns dos seus homens de armas, formou o seu reino. Ora Hércules Líbio - assim se chamava o príncipe - tinha uma filha lindíssima, à qual pusera o nome de Neiva e era o encanto de quantos tinha a oportunidade de a conhecer. Porém Hércules Líbio escondia-a ciosamente, pois todos os jovens lhe pareciam indignos da sua formosa filha.
Certa manhã, um guerreiro chegou junto do palácio. Vinha em jornada de outras terras. O sol abrasava e o jovem sentia sede. Viu os muros que circundavam a faustosa residência. Fez parar o cavalo, que batia na terra quente com impaciência desusada. O portão estava entreaberto. O guerreiro apeou-se e entrou num pátio de boas sombras, levando o cavalo pela rédea. Como não visse ninguém, ergueu a voz, pedindo água:
- Há aí alguém que dê de beber a quem tem sede?
Logo uma rapariguinha morena acorreu e apresentou-lhe uma infusão que o jovem aceitou com júbilo. Esqueceu-se dos seus modos fidalgos, do seu ar arrogante, e bebeu como qualquer homem sedento.
A rapariga sorriu. Apesar do pó que lhe cobria o rosto, os cabelos e o vestuário, percebia-se que se tratava de um fidalgo, forte e belo. Daí aquele sorriso. E por esse sorriso ele teve coragem de mais pedir.
- Como hei-de dessedentar também o meu cavalo?
A rapariga mordeu os lábios, pensativa.
- Esperai, senhor cavaleiro! Meu amo não gosta de ver jovens como vós para cá destes muros... Mas... vou tentar arranjar-me de forma que ele não saiba...
- E porque é ele assim tão severo?
- Porque... Bem... A minha jovem ama é muito nova... E muito bela...
O cavaleiro sorriu.
- Compreendo. Tem medo que lhe roubem a mulher...
A rapariga riu com vontade.
- Oh... não é mulher dele... É filha!
- Filha?
- Sim, meu senhor.
- E tem desse modo fechada uma jovem, para mais formosa, impedindo-a de conhecer o mundo?
- É verdade. Tem posto fora quantos chegam a estas paragens e por acaso avistam a minha ama!
A curiosidade do jovem cavaleiro aguçou-se.
- Como se chama a tua ama?
- Neiva, e é filha de Hércules Líbio, senhor destas terras.
O rapaz sorriu e murmurou como para si mesmo:
- Neiva... Bonito nome!
Depois, mais alto:
- E tu, como te chamas?
- marta... Uma criada para vos servir.
De longe, uma voz bonita soou então:
- Marta! Marta!
A rapariga assustou-se:
- Aí vem a menina... Vá-se embora, senhor!
O jovem desceu do cavalo.
- Enganas-te Marte! O meu pobre "Vingador" não irá muito longe se lhe não der de beber.
A voz de Neiva chamava agora mais próxima:
- Marta!
Ele incitou-a:
- Responde daqui! Quero vê-la!
Sem saber resistir-lhe, Marta obedeceu.
- Senhora... estou aqui perto... Vinde ver!...
Então Gastão de Mendonça e a jovem Neiva encontraram-se pela primeira vez frente a frente. No olhar de ambos havia surpresa e alegria. havia luz e calor. Lá fora, o sol continuava quente. Quente e luminoso. Um fortíssimo sol de Verão!

Encostada ao muro, olhos perdidos no horizonte, Marta espiava. Perto, a jovem Neiva, coração batendo, tinha todos os seus sentidos presos aos movimentos da sua dedicada aia. De súbito, ela anunciou baixinho:
- Ele aí vem!
Baixinho também, a jovem murmurou:
- Vai tomar conta, não venha alguém surpreender-nos...
E a rapariga, contente por ver contente a sua ama, saltou ligeira um banco de pedra e foi colocar-se mais adiante, atenta como um cão de guarda.
O cavalo ficou do lado de lá do muro. Num movimento lesto, em breve o cavaleiro beijava com ardor os dedos delicados da sua amada.
- Gastão! tardaste um pouco e já estava receosa!
Ele apertou de encontro ao peito a mãozinha que se lhe entregava confiante.
- Meu amor! Isto não pode continuar assim! Vemo-nos às escondidas... Entro aqui como um ladrão... Estamos sempre receosos de que nos descubram...
Neiva suspirou fundo.
- Bem sabes que meu pai encontra defeitos em todos os pretendentes...
Marta fez sinal para que falassem mais baixo. Gastão levou uma das mãos à testa, num gesto de impaciência.
- Não, não pode ser! Somos tratados como se praticássemos algum crime!
- Desobedecemos a meu pai...
- Mas eu quero-te! Quero-te para minha esposa, compreendes?
As lágrimas afluíram aos olhos da jovem.
- Compreendo-te Gastão. Mas também sei que no dia em que falares a meu pai, tudo acabará. Bem sabes como ele anda inquieto com o que se passa entre o povo. Essa serpente horrorosa, que entra nas casas mal fechadas e mata sem piedade, traz a população num alvoroço. A toda a hora lhe pedem providências...
- Também eu preciso de tomar resoluções rápidas. Não irei saltar mais este muro como um criminoso, só porque te amo. Vou falar-lhe hoje mesmo.
Aflita, Neiva agarrou-lhe um braço.
- Não... Não vás! Ele expulsa-te!
Gastão cerrou os dentes. Era um guerreiro e estava habituado a grandes lutas; mas essa, interior, cansava-o muito mais!
- Está dito: hoje mesmo tenho de falar a teu pai! De homem para homem. Sou nobre e tenho fortuna, amo-te e sou um guerreiro!
De novo Marta fez sinal para que não gritasse. Gastão de Mendonça beijou de novo a mãozinha trémula de Neiva e pediu:
- Vai para os teus aposentos. Marta que te acompanhe. Vou falar a teu pai!
Quando o guerreiro lusitanos entrou no salão nobre do palácio de Hércules Líbio, este já o esperava, pois que ele se fizera anunciar. Ao vê-lo tão jovem e de porte altaneiro, Hércules teve um ligeiro movimento de desagrado. Depois de um frio cumprimento, perguntou:
- Que desejais de mim? Não tenho tempo a perder, devo prevenir-vos!
Gastão olhou-o de frente, com segurança:
- Nobre senhor! É sobre a minha espada que vos juro ser de grande interesse para mim o assunto que me traz à vossa presença.
Hércules Líbio teve um sorriso irónico.
- Não me custa acreditar-vos. E de que assunto se trata?
- Da minha felicidade e da vossa filha.
O assombro e o furor estamparam-se no rosto do dono da casa.
- Que dizeis? Porque misturais a minha filha com a vossa felicidade?
Rápida, a resposta surgiu:
- Porque só com ela serei feliz!
Hércules tentou gracejar.
- Tão pouco me custa acreditar nessa afirmação. No que, porém, não posso crer é que dependa de vós a felicidade da minha filha!
- Perguntai-lhe então...
Perante a serenidade do jovem, Hércules Líbio perdeu o domínio de si mesmo. E gritou quase:
- As cabeças jovens como a dela não sabem o que querem. Eu, sim, sei o que desejo para Neiva. Casará, mas com um guerreiro forte e destemido. Um guerreiro da minha estirpe!
Ofendido, Gastão explicou:
- Sou um guerreiro, senhor! E não será necessário juntar qualquer palavra a esta, para lhe dar maior realce ou definir o sentido.
Hércules Líbio franziu as sobrancelhas.
- Conheceis Neiva?
- Desde o Verão passado.
- E... já se falaram?
- Devo confessar-vos que iludimos a vossa vigilância...
A cólera tingiu de vermelho o rosto de Hércules Líbio. Vociferou:
- Sois portanto um traidor!
- Traidor é aquele que falta à sua promessa ou a um sagrado dever. Nada vos prometi, senhor!
- Mas zombastes das minhas ordens!
Gastão tentou acalmar-se:
- Se o tivesse feito, não estaria aqui a pedir-vos com o devido respeito a mão de vossa folha. Sou nobre, rico e guerreiro acreditado entre os meus. Possuo a juventude que a juventude de vossa filha reclama. Amo-a e sou amado por ela. Necessitamos apenas do vosso consentimento para...
Interrompendo-o com fúria, Hércules Líbio levantou-se e indicou-lhe com um gesto a saída, enquanto gritava, já fora de si:
- Basta! Ide já embora... se não quereis que vos mande matar!...
Gastão ergueu a cabeça, num desafio:
- Cuidado, senhor! Não estais falando a uma criança, nem a nenhum dos vossos criados!
A voz de Hércules Líbio saiu quase rouca:
- Retirai-vos!
Gastão inclinou-se, cerrando os dentes para se conter. Respirou fundo e conseguiu afirmar:
- Irei! Mas acreditai que ainda haveis de precisar de mim!
Mal o guerreiro lusitano abandonara a sala, ouviu-se enorme burburinho. A porta do salão abriu-se num repente e Neiva entrou a correr, com o horror estampado no rosto. Caiu aos pés do pai e falou, ofegante:
- Senhor meu pai!... A Coluber (cobra)... está aqui! Já matou Marta, que se sacrificou para me salvar... Os criados fugiram... O povo grita... Senhor meu pai, tendes de pôr termo a este horror!
Hércules voltou-se para os guerreiros que o rodeavam.
- Procurai a serpente, homens da minha guarda! Que fazeis aí parados? A morte entrou no palácio... é preciso destruí-la!
Olhou-os, um por um. Nenhum deles parecia disposto a sair.
- Porque esperais?
Neiva agarrou as mãos do pai:
- São guerreiros... mas temem a Coluber... Bem sabeis que ninguém jamais ousou fazer-lhe frente.
Hércules empalideceu:
- Que homens de armas são estes, afinal? Sois muitos... e a serpente é só uma!
Os homens entreolharam-se, envergonhados. Mas ninguém arredou pé. O próprio Hércules começou a perder o seu ar arrogante:
- Pois quê? Vamos esperá-la aqui para que ela faça a sua escolha?... Morreremos todos, um após outro, sem nada intentar para nos defendermos?...
Neiva voltou a olhar o pai, que de todo perdera a autoridade.
- Todos teme a morte, senhor... Até vós!
Então, entre os que enchiam a sala, rompeu uma voz firme:
- Todos... menos eu!
Houve um movimento de surpresa. Em silêncio todos os rostos se voltaram para quem mostrava tal coragem. E um grito soou:
- Gastão! Estavas aí e nem dei pela tua presença! Sereno, ele volveu:
- Teu pai acaba de expulsar-me em termos impróprios de um cavaleiro. Ouvi quanto disseste e sinto muito a morte da nossa pobre Marta!
Neiva voltou a soluçar. Ele aproximou-se com carinho.
- Não chores mais. Aflige-me ver-te assim!
- Gastão a morte entrou neste palácio...
- Já antes entrara no meu coração. E como levo a morte comigo não receio enfrentar essa coluber que põe os homens parados como crianças medrosas!
Hércules, que tudo ouvira atentamente, observou:
- Não sois daqui por isso não sabeis o poder da coluber. Todavia, já que vos atrevestes a chamar-nos crianças medrosas... desafio-vos a que proveis o vosso desplante! Procurai sem demora a serpente e matai-a!
Gastão fez um gesto cerimonioso com a cabeça. A sua voz era triste mas pausada:
- Aceito o desafio, com uma condição: a mão da vossa filha Neiva!
Hércules olhou de frente o jovem atrevido. Passou revista rápida à expressão dos que tinham invadido a sala e percebeu que todos esperavam, ansiosos, uma decisão afirmativa. Baixou os olhos. Depois tornou a olhar o jovem.
- Seja! A coluber é uma calamidade! Se a conseguirdes vencer - o que duvido - sereis justamente, consagrado como herói. E com um herói poderei casar a minha filha.
- Não te exponhas assim pelo nosso amos! Ela vai matar-te! Vai matar-te...
O jovem guerreiro tomou nas suas as mãos de Neiva. Beijou-as com ternura. Depois, fazendo uma elegante reverência, como se fosse iniciar um torneio, saiu da sala. Sozinho.
Neiva, que de novo soluçava perdidamente, sentiu-se de súbito, agarrada pelos braços fortes do pai. A sua voz chegou-lhe aos ouvidos numa cadência cariciosa que jamais lhe escutara:
- Coragem, minha filha! Ele vai morrer... mas amaste um homem extraordinário!

A tarde caminhava de mansinho, indiferente ao drama que se desenrolava no palácio de Hércules Líbio. Só, tendo apenas a espada na mão e no peito a vontade inquebrantável, Gastão tentava fugir ao encantamento da serpente. Encontrá-la fora-lhe fácil. Vencê-la é que seria difícil. Rangendo os dentes, ele tentava não a fitar, sem deixar de estar atento aos rapidíssimos movimentos do terrível monstro. Frente a frente, a vida e a morte mediam distâncias. A coluber ficara estática. Dir-se-ia ter descoberto pela primeira vez um adversário perigoso. De repente, deu um salto no ar para cair sobre o jovem. Mas ele esquivou o ataque, brandiu a espada - e decepou-lhe a cabeça, de um só golpe!
Agora, porém, em vez de uma, a coluber transformara-se em duas serpentes que procuravam atacá-lo, cada uma de seu lado.
Gastão empalideceu. Mas não se desorientou. Da sua espada surgiram sucessivos como se estivesse em plena batalha, rodeado de inimigos. Atingiu várias vezes a coluber, de tal sorte que, por fim, ela ficou imóvel. Com a espada meteu-a dentro de um caixote sem deixar esquecido nenhum dos bocados a que a reduziu. Depois, levou o caixote para o ar livre e deitou-lhe fogo.
As chamas começaram a subir num colorido estranho. O suor corria pelo corpo do guerreiro, inundando-o. Arfava de cansaço. A distância respeitável, um grupo enorme observava-o. Eram os aldeões, prevenidos do que se estava passando por um dos criados fugidos do palácio.
Um clamor imenso saiu de todas as bocas, vitoriando o jovem herói. Ouvindo o alarido, os homens de Hércules Líbio foram saindo da sala, a pouco e pouco. dando largas ao seu contentamento, o povo saltara os muros e invadira o terreno do seu senhor. Os mais novos dançavam à volta do caixote em cinzas, misturadas com as cinzas da própria coluber. Entre gritos de vitória, o herói foi levado em triunfo até ao limiar do salão nobre. Aí, Hércules e Neiva esperavam-no, mais pálidos do que a própria morte. nem queriam acreditar na maravilhosa verdade: Gastão de Mendonça vencera a pavorosa serpente!
Acenderam luzes, todo o palácio estava em festa. Os cortesãos e o povo aclamavam o herói que, nos braços de Neiva, recebia a merecida recompensa.

Hércules Líbio cumpriu a sua promessa: Gastão casou com a jovem Neiva. E para comemorar tão valoroso feito, Hércules determinou que se chamasse daí para o futuro, ao lugar onde a serpente Coluber fora morta - Coluber Briga, ou seja, a batalha da cobra.
O tempo foi fazendo crescer a povoação, dando-lhe mais habitantes, mais casas, mais importância. E o tempo também, que a tudo assiste, foi tranformando o nome de Coluber Briga, primeiramente em Conimbriga e depois em Coimbra, a formosa e famosa cidade do Mondego.

NOTA:- O que mais gostei, nesta história foi aprender como os guerreiros lusitanos eram tão docinhos e tão bem educados.... ;)