29 de outubro de 2007

Banalidades




Que são banalidades?
São retalhos da vida que passa
e que não deixam saudades.
São o sair, o entrar, o deitar,
o levantar, o comer, o dormir,
resumindo, o repetir
de todos os dias,
de todas as horas,
de todos os anos,
de todas as vidas.
São aquilo que eu não quero,
são aquilo de que fujo,
são aquilo porque luto p'ra não ter.
São factos que não queria reviver
porque quero ser feliz,
tenho direito a ser gente
e prazer em ser diferente.
E como tal:
Incomoda-me o vulgar,
irrita-me o mesquinho,
detesto o "poucochinho".
Quero rir, quero correr,
quero chorar, quero gritar,
quero-me descontrolar,
quero sentir,
quero dar e receber.
É tão fácil de entender!
Pois aquilo que eu quero
é ser feliz e viver.

CONCLUSÃO

Escrevi amor e carinho,
escrevi ternura, saudades,
escrevi tristeza, paixão,
angústia, dor, solidão,
escrevi revolta, ansiedades.
Afinal,
só escrevi banalidades...

Astrologia


Astrologia é ciência,
é mistério, é alegria,
é angústia, é ansiedade,
é prazer, é intuição.
É aprender a estar vivo,
é respeitar seu irmão.

E os astrólogos que a estudam,
que a entendem, que a descobrem,
que se apaixonam por ela,
sejam crentes ou ateus,
sentem que estão a admirar
as brincadeiras de Deus.

22 de outubro de 2007

Manuel


Manuel, é um nome muito português. Não quero dizer com isto que não existam outros nomes tão portugueses como este, se os há! Olha os Josés, os Antónios e por aí...

Nasceu no Norte há já alguns anos, filho de pais pobres, a mãe vivendo daquilo que conseguia que a terra desse e o pai, além de ajudar a mulher no campo, era um operário simples de uma fabriqueta que existia por ali perto que de fábrica, praticamente só tinha o nome.

Quando os pais do Manuel casaram toda a aldeia viveu aquele casamento. Já durante o namoro, muitos eram os que espreitavam por detrás dos postigos para ver se se apercebiam de uma piscadela de olho ou de um toque mais atrevido. Mas não, a mãe do Manuel, menina séria e muito dada a re­catos, sempre tinha feito um namoro lindo e com respeito, como corria na aldeia.
Aquele casamento foi falado por muito tempo. Os avós do Manuel, de ambos os lados, "fizeram das tripas coração" para que ele não fosse esquecido nos tempos mais próximos.

Os pais do Manuel casaram e, passados uns tempos, surgiu o Manuel da nossa história. Nessa altura, só a mãe sabia da sua existência. Aqueles enjoos pela manhã! Aquelas tonturas! Seria o que ela es­taria a pensar?

Ao fim de muitas noites em claro, lá se resolveu a ir falar com a mãe e contar-lhe o que sentia. Fo­ram-lhe, então, tiradas algumas dúvidas, muito por meias palavras, muito a dar a entender.
- Estou grávida! – pensou a mãe do Manuel – Que vergonha! – acrescentou.

É verdade! A mãe do Manuel, senhora casada, devido à educação que tinha levado, envergonhou-se. Aquilo que lá na terra era vulgar para as cabras, porcos e cães, era vergonha para os homens.

Toda a aldeia devia saber como os bebés se faziam. Todos os homens e mulheres casados já tinham tido filhos. Chega-se então a uma conclusão: ter filhos é alegria. E fazê-los?!...

Escondeu do marido até não poder mais. O seu corpo começou a preparar-se para a vinda do Ma­nuel. O enxoval começou a fazer-se. Já não podia esconder mais e então, a notícia espalhou-se pela aldeia como fogo em dia de Verão.

O tempo foi passando, o Verão custou a aguentar. Tanto calor! O Outono chegou, o peso foi au­mentando, a lida da casa já ia custando, a do campo, ainda mais. O frio começou a aumentar, os dias a ficarem pequenos, as noites maiores. O calor da lareira era agradável.

Numa dessas noites frias de Novembro, o Manuel manifestou-se, ouviu-se o seu primeiro vagido, ouviu-se o seu primeiro choro.

Sua mãe, cansada, estava rodeada pelas mulheres experientes da aldeia, mulheres para quem aquela cena já não tinha nada de novo, era o pão nosso de cada dia.

Chegaram-lho ao peito:
- É um rapaz perfeito!! – ouvia a mãe do Manuel.
Outra voz mais afastada:
- O rapaz é pequenito, mas cá se faz. Assim o leite dela seja bom, depois, tudo se cria.

E o pai do Manuel? Esse, coitado, quando tudo começou, ficou tão aflito ao ver a sua companheira cheia de dores mas, as mulheres puseram-no fora:

- Vá-se embora, compadre. Esta é das poucas vezes que o galo não tem ordem de entrar na capo­eira.

E ele lá se foi, debaixo de chuva e vento, procurar os companheiros para ver se o tempo passava mais depressa e se a sua mulher se via livre de tanta aflição.

Dizia ele para os outros, para se mostrar forte:
- Ela é rija! É uma mulher de armas! Vocês vão ver!

Mas, lá por dentro, o coração estava tão pequenino. Mulher corajosa, isso era! Mas, tanta dor!

Já a noite ia alta e vai a ti'Carolina à procura do pai do Manuel. Bate à porta deste, bate à porta da­quele. Nada dele! Até que, um dos amigos de conversa lhe disse:

- Despediu-se inda há pouco e foi p'rás bandas da Igreja.
Lá foi ti'Carolina lá para as bandas da Igreja e, quando entrou, logo o viu a conversar com o padre, na sacristia.

- Oh! Senhores, venha, já lá tem um rapaz!!

O tempo foi passando e o nosso Manuel cresceu, fez-se rapazito, em idade de andar na escola, já tinha mais dois irmãos, uma rapariga e um rapaz. Este último ainda bebé.

Na escola encontrava os amigos com quem brincava e ia aos ninhos por aqueles campos fora. Só eles sabiam em que árvore é que havia os bons paus para fazer fisgas, mais além eram as tocas dos coe­lhos. Só eles conheciam os recortes daqueles montes a qualquer hora do dia. Junto ao rio, belos ba­nhos! E as armadilhas para apanhar peixes... Que belas pescarias!

A professora dizia ao pai que o rapaz era esperto, que tudo aprendia e tudo queria saber.

O seu pai inchava de orgulho mas não o demonstrava.

O tempo foi passando. A escola primária acabou.

- E agora p'ra onde vai o rapaz? – dizia o pai.

- Trabalhar para o campo não. A D. Adosinda diz que ele é esperto. Não gostava que ele tivesse a vida que nós temos tido. Queria para os nossos filhos um futuro bonito. Aconselha-te com o senhor prior. Vê lá o que é que ele acha.

Assim fez o bom pai do Manuel, e a conversa foi tal que, depois de se perguntar a opinião da senhora professora, o Manuel deu entrada no Seminário.

Ficou longe da aldeia, da família, dos amigos. Só os via nas férias. Tempos difíceis!

O tempo passava e o Manuel cada vez desejava com mais ansiedade a chegada das férias para voltar para a sua aldeia, para os seus.

Durante o ano só havia umas raras cartas, muito vagas porque o tempo era pouco e o treino para escrever não muito grande. E o Manuel lá se contentava. Lia e relia com sofreguidão, a meia dúzia de linhas mal alinhavadas mas a dar a entender que também desejavam o regresso.. E aí, o Manuel chorou, pela segunda vez.

O Manuel foi crescendo naquele Seminário escuro e húmido, foi estudando, fez amigos, grandes companheiros de noites de cavaqueira, à luz da vela, quando todos os outros já dormiam, trocavam-se opiniões sobre o que se ouvia, sobre o que se lia e o Manuel foi mudando até que, numas férias, que eram há muito tempo desejadas, quando chegou à aldeia, começou a notar que ele já não per­tencia ali, que a única coisa por que voltava era a família. Os amigos com quem costumava brincar quando miúdo ou estavam a trabalhar no campo, ou na fábrica, ou tinham saído da aldeia.

Tomou, então, uma resolução, ir experimentar os campos de férias que, durante o ano, no Seminá­rio, tanto ouvira falar.

E foi assim que o Manuel começou a conhecer o nosso Portugal, acompanhando miúdos mais novos, um ano no Alentejo, outro na Beira, outro no Ribatejo, convivendo com outras gentes, outras ideias, outras paisagens. E foi feliz!

Às vezes, nas férias, tinha que trabalhar no duro para ter algum dinheiro para qualquer coisa que quisesse comprar.

Quando as férias acabaram o Manuel voltou ao Seminário, agora já rapaz feito, com alguma barba a crescer e a maioridade a chegar.

Sentia-se deslocado naqueles corredores onde lhe eram ministradas aulas e onde surgiam certas ideias com que ele, de modo nenhum, podia concordar. Manifestou-se. Que resultados viu? Não havia meio termo, ou contra ou a favor. Quem contra? Quem a favor? Mas ainda poderá haver gente con­tra ideias tão claras, tão lógicas? Porquê? Não entendia, só sabia que não era aquilo o que ele queria.

Num Natal, ao chegar à sua aldeia, todos os aguardavam como de costume, os sorrisos habituais, os abraços habituais, a missa do galo habitual, o capão habitual mas, depois da ceia habitual, o Manuel desabafou:

- Pai! Não quero ser padre.

O tempo parou.

Naquela casa a angústia surgiu. A mãe viu desaparecerem os sonhos que tinha alimentado durante anos. Já não ia ver o seu filho celebrar missa na igrejinha da aldeia. O seu filho tinha aprendido a tocar viola no Seminário e ela tinha uma viola escondida para lhe dar como prenda de Natal. Ele ainda não sabia. Tinha pedido ao seu homem para ir à cidade comprá-la. O que ele tinha corrido! Quando gostava de uma, o dinheiro que levava não chegava, quando encontrava uma de bom preço, havia qualquer coisa que não o levava a comprar.

Já tinha imaginado o seu Manuel, já padre, ao Domingo, rodeado pelas crianças da escola a ensinar-lhes as cantigas bonitas para eles cantarem na missa.

O pai ficou calado, a cozinhar aquilo que tinha ouvido. Levara algum tempo a mentalizar-se que ia ter um filho padre, sem se casar, sem lhe dar netos, mas já se tinha habituado à ideia, agora, num lapso de tempo, tudo tinha mudado.

- E o que é que pensas fazer?

- Vou acabar o liceu, no Seminário e depois, vou pensar no curso que me agrada. Pode ser que tenha que ir para mais longe, ainda não sei.

O tempo continuou a correr e, ao acabar o liceu, o Manuel resolveu ir tentar a sua sorte na grande cidade. Ele que sempre tinha vivido entre claustros, entre os homens, entre crianças, vê-se, de re­pente, rodeado de barulho, confusão, competição, tudo aquilo que tinha ouvido contar, que tinha lido em alguns livros, no Seminário, passados pela porta do cavalo.

Tinha feito muitos amigos, quer entre alguns professores, quer entre os companheiros. Casas religio­sas há por muitos lados e foi numa delas que ficou quando se encontrou em Lisboa.

O ritmo de vida era completamente diferente. Ao princípio assustou-se. Estaria preparado? Toda a sua vida a passara dentro de uma redoma, uma sociedade de elite completamente diferente e que, embora não concordasse com ela, na sua globalidade, ela tinha deixado as suas marcas na sua ma­neira de ser, de sentir, de pensar.

Resolveu trabalhar e tirar o seu curso à noite. Usou as boas bases musicais que tinha tido no Seminário e foi trabalhar como professor de educação musical num colégio. Era esse o nome que usava mas era um bocado o topa a tudo. Homem habilidoso, esperto, nada o deixava atrapalhar. Foi lutando, foi subindo, foi estudando, foi vingando a punho mas também foi convivendo.

Tinha o seu grupo de amigos de curso, de conversa, de folia, rapazes e raparigas da mesma idade, com ideias muito semelhantes, maneiras de pensar idênticas. Entre os que acompanhavam esse grupo havia uma rapariga linda, agradável, graciosa, com quem começou a gostar de falar, de convi­ver, de se dar, de receber.

O amor nasceu, o espanto, o encanto, a emoção. Foi tudo tão rápido, tão lindo, tão natural e teve como final o casamento. Tanta alegria, tanta novidade por explorar, tanta ternura para dar. O tempo foi passando e o Manuel preparou-se para ser pai. Nasceu uma criança linda que ele logo adorou mas, entretanto, a luta pela vida complicou-se.

A família estava formada, o curso por concluir, o filho a precisar de atenção e a mulher também, o curso a chegar ao fim, os exames por fazer, os livros para ler, as teses para apresentar e o tempo a escoar, a incompreensão a surgir.

Os diálogos amenos, saudáveis e bons de antigamente foram-se espaçando cada vez mais, as trocas de impressões agradáveis, os longos serões, transformaram-se em conversas cordiais, informais mas que não lhe davam todo o carinho e ternura de que ele tanto precisava.

Que vou fazer? Tenho um filho a quem adoro, mas não sou daqui, não sou feliz, sinto-me mal.
E, pela terceira vez, o Manuel chorou.

Gota de chuva




Gota de chuva que escorre
pelo vidro da janela.
Eu não sei pra onde vai
mas queria ir com ela.

Menino, para que espreitas
pela gretinha da porta?
A chuva e a gente passam.
Nada do que vês importa.
O que importa é o que está dentro,
não da casa, mas de ti:
os sonhos, a claridade,
as brincadeiras felizes
que só tu sabes brincar,
o que sentes e não dizes.

A gota de chuva entende
ao passar pela janela.
E no caminho que faz
Vai procurando pureza,
ternura, carinho, amor.
Mas isso tudo é difícil
de se encontrar por aqui.

Mas a esperança persiste,
a procura continua.
E se a gotinha de chuva
chegar, um dia, a encontrar
o lugar onde isto existe!
Eu queria estar junto dela.
Fixava bem o lugar
e voltava para ti.
Soltávamos as amarras
que nos prendiam aqui.
Saíamos rapidinho.
E depois?!
Vamos, os dois, correr mundo
procurando sonhadores,
gente boa que está triste,
e ensinamos o caminho
para o tal lugar tão lindo
que a gota de chuva viu.

E uns contarão aos outros,
e outros mais chegarão.
E o lugar lindo e só
ficará tão cheio de luz,
de ternura e de carinho,
que se um pensamento mau,
chegar, um dia, a entrar
nesse lugar de magia,
para encontrar seu bem estar
e poder continuar,
ou muda,
ou fica sozinho.

Diálogo


Prometi, há alguns anos, a mim mesma,
mais precisamente em 92,
fechar à chave o meu coração.
Em seguida, guardava num canto escuro
pra que ninguém encontrasse,
tudo aquilo que tocasse,
meu sentimento ou emoção.
E depois...
Ficava mais disponível para a minha profissão.
Deixava crescer meu filho, com muito amor e carinho.
Lutava para o tornar um homem honesto e puro.
Queria dar-lhe toda a defesa que chegasse
para não ter sofrimentos.
Queria vê-lo feliz,
a ganhar e a subir,
a lutar e a chegar
aos lugares que sempre quis.

Ana, cala-te!
Olha-me bem para trás e lê, com muita atenção
o que acabas de escrever!
Será que já reparaste que ainda não és capaz
de separar duas coisas, naquilo que prometeste?
Deixa que te faça uma pergunta
para ver se me consegues entender:
Coração, sentimentos, emoção,
estás a guardar ou a esconder?

Escondeste só, minha tonta,
e em sítio bem pouco escuro,
deixa-me lá que te diga.
Pois assim que uma criança,
daquelas com quem trabalhas,
se mete nalguma briga
e te procura com esperança
que salves a situação...
Logo te salta a ternura.
Logo te escapa o carinho.
Logo lhe abres os braços
e a encostas ao coração.
O coração que fechaste?
Se fechaste e se guardaste,
Como podes abraçar?
Como podes dar ternura?
Pra que pedes pra teu filho
honestidade e pureza?
E tu? Será que pensaste em ti?
Se queres ser assim tão fria,
tão distante e tão segura,
porque dizes que aquele homem
te inspira tanta ternura?
Porque queres saber mais dele?
Porque queres o convite pró café?
Porquê a curiosidade
p'lo homem que vês ali?
Porque é que tu queres saber
o que ele sente por ti?
Porque não perguntas antes:
Como vai na profissão?
Tem fortuna?
Tem poder?
Eu só te ouço dizer:
Tem carinho?
Tem ternura?
Será que sente o que mostra?
Ou será um bom actor?
Será que aquilo que sinto
é carência ou é amor?
Se as emoções estão guardadas,
se sentimentos também,
se o teu coração gelou,
se estás tão fria e segura...
De que é que tens tanto medo?
Vê lá se queres a resposta!!!
Achas que és capaz de ouvir??
Dizes que sim?? Então escuta.

Inda não perdeste a esperança
de voltar a ser feliz.
E aquilo que esse homem mostra,
e aquilo que esse homem diz,
tem muito a ver com o que pensas,
com aquilo que procuras,
com aquilo que aceitas,
com aquilo que defendes
e pretendes encontrar.

Continua o teu caminho.
Informa-te do que queres.
Se são aos seus sentimentos
a que dás prioridade?
Faz as perguntas que queres
E que, segundo ele diz,
Também quer ouvir de ti.
E se no fim disto tudo
ainda achares que ele é
o homem doce e seguro
que gostavas de encontrar.
Deixa que o tempo corra.
Mostra-te tal como és.
Pois quando dois seres são puros
na alma e no coração,
se não há jogos escuros,
pois falam só o que sentem
e só fazem o correcto
pelo seu modo de pensar.
Então,
encontrem-se, falem, vivam,
sintam muito e com firmeza,
deixem sair cá para fora
tudo o que anda escondido.
Compartilhem o que pensam.
Abram vossos corações.
E se tudo for verdade,
se não for só fantasia,
se da parte de um e de outro,
ninguém andar a brincar
com a vida do semelhante...
Mata essa tua ansiedade,
dá-te com muita alegria.
Em troca só podes ter
pureza, amor e carinho.
Nenhum dos dois vai sofrer,
só pode dar-se o contrário,
pois, os que amam sem reservas
e com pureza sem fim,
desvendaram o mistério:
- São felizes porque sim.

Anjo da Guarda


Era uma vez uma menina que sempre admirou a escrita poética e adorava fazer este tipo de leitura, dias e dias seguidos, não cansava, era agradável, não se dava pelo tempo passar, parecia fácil.
Tentou escrever e viu então que não era tão fácil assim. A ideia estava lá mas passá-la a palavras já era mais complicado... quanto mais, palavras bonitas que ao lê-las nos desse a ideia que se tratava de uma canção...
Agora, depois de meio século passado, ao reler algumas palavras que conseguiu escrever, apercebeu-se de uma coisa que ela achou muito bonita: é que todo o esforço e empenho que ela pôs, através da vida, no que tentava escrever, em verso ou em prosa foi, pelo menos, marcando as suas épocas de alegria, de tristeza, de solidão... resumindo, de crescimento. Por isso, com muito esforço mas, ao mesmo tempo, com muito carinho, aqui vai uma tentativa para escrever bonito:

Oh! Meu bom anjo da guarda,
tu sabes como ninguém,
que eu hoje já sou mulher.
Tens-me ajudado a crescer.
Acompanhaste as tristezas,
ouviste-me desaforos,
mas, quando eram alegrias
o que vivia ou sentia,
não sei o que acontecia
que deixava de te ver...
O meu egoísmo era grande,
a criancice... também.
Mas nunca em ti eu senti
qualquer censura ou tristeza
por naquelas situações
eu não ter pensado em ti.
Agora, estou mais velhinha.
Tento ver com mais clareza
como posso ser feliz.
Mas há coisas que não esqueço
pois são lemas que gravei:
Respeitar o semelhante
como sempre me ensinaste.
Fazer as minhas opções,
para cumprir meu caminho
Sem prejudicar ninguém.
E quando chega a tristeza!
Sinto-te firme, ao meu lado,
pois não arredas por nada.
Mas cresci um bocadinho!
E sabes como notei?
Se o momento é de alegria
tu já não ficas esquecido,
e tenho um grande prazer
no teu sorriso escondido
quando te digo "Obrigada"

Fernando Pessoa


Excerto de "O guardador de rebanhos" - Poema VIII de Fernando Pessoa

Num meio-dia de Primavera
Tive um sonho como uma fotografia
Vi Jesus descer à Terra
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se ao longe.
Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
da segunda pessoa da Trindade
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez, homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa, toda à roda, de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça
E até com um trapo à volta da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas -
Um velho chamado José que era carpinteiro
e que não era pai dele
E o outro pai era uma pomba estúpida
a única pomba feia do mundo
Porque nem era do mundo, nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter
Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu
E queriam que ele que só nascera da mãe
E nunca tivera pai para amar com respeito
Pregasse a bondade e a justiça!
Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três:
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que tinha fugido,
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino,
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-se pregado na Cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois, fugiu para o Sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo
É uma criança bonita, de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as,
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge, a chorar e a gritar, dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas à cabeça,
E levanta-lhes as saias.
A mim ensinou-me tudo:
Ensinou-me a olhar para as coisas,
Aponta-me todas as coisas que há nas flores,
Mostra-me como as pedras são engraçadas
quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.
Diz muito mal de Deus
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar no chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me que Deus não percebe nada
das coisas que criou"
Se é que ele as criou, do que duvido -
"Ele diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
mas os seres não cantam nada
Se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada
E por isso se chamam seres.
E depois, cansado de dizer mal de Deus
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o, ao colo, para casa.
Quando eu morrer, filhinho
Seja eu a criança, o mais pequeno,
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.
Esta é a história do Menino Jesus
Por que razão que se perceba
Não há-de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?

Aconteceu poesia


Aquilo por que eu tanto ansiei
e aquilo que eu tanto queria
aconteceu.
Aconteceu poesia.
Veio donde eu desejei,
quando a esperança se desvanecia,
de um modo como nunca pensei,
aconteceu poesia.
Donde veio? Quem ma deu?
O tal homem calmo e bravo como o mar
com o tom de voz quente e sentida,
riso matreiro,
boca apetecida,
o toque misterioso no olhar.
E então...
Pela primeira vez senti paixão
e gostei de perder a noção
do sítio,
do ambiente,
de mim mesma.
Foi muito bom.
Quero mais.
Preciso muito
Tenho muito p'ra dar
e quero dar.
Desejei que tudo parasse ali.
O que sentiu ele?
O mesmo que eu senti?
Será que deu para lembrar
a boa sensação, o bom momento?
Vem depressa, repete, quero muito,
quero mais, preciso.
A tua ausência dói.
A tua presença é linda mas rareia.
Preciso repetir.
Tenho que ter a certeza
que não foi sonho, ilusão.
Tenho que saber
se o que vai dentro de mim
é confusão ou não.
Quero-te meu.
Quero ser tua.
Quero ser.
Quero ser o que te apetecer.
Quero viver, sentir,
queimar este fogo que há em mim.
E, se depois de uma outra vez acontecer
quisermos repetir,
continuar,
sempre,
assim.
Valeu a pena, sim.

Esperança


Gostava ainda de encontrar na vida
um homem calmo e bravo como o mar,
com um tom de voz
quente mas sentida.
Riso matreiro, boca apetecida,
um toque misterioso no olhar.
As mãos grandes e quentes
p'ra m'abarcar corpo e pensamento.
P'ra sabermos tudo de nós
ali, nesse momento,
sem necessidade de contar,
explicar, dizer.
Sermos capazes
de ser só ser.
Queria sentir o que nunca senti.
Queria que o tempo recuasse.
Queria ver a juventude que não vi.
Queria que o encanto não passasse.

Onde se encontra esse homem
que, numa noite, em sonhos vi?
Será que só existe mesmo aí?
Procurar, não sei.
Esperar, não tenho tempo.
Continuarei....

Sonho?


Que sonho horrível!
Que estranho!
Que sufoco!
Que aflição!
Senti um vazio tamanho,
um'ansiedade desmedida.
Estava em casa, só, em grande angústia.
Resolvi sair, em busca não sei de quê.
Era noite.
Não havia calor, nem frio.
Só sei que sentia um vazio
difícil de suportar.
Comecei a andar.
Não sei por onde e para quê.
Andei, andei
por sítios que ninguém via,
por lugares que nem sabia.
Depois de muito andar,
de me cansar, de correr,
de fugir, de procurar,
meti-me num comboio que me surgiu ali.
Andei horas sem conta,
tempos infindos.
E só sei que saí
No lugar donde parti.
A ansiedade aumentava.
Queria encontrar o quê?
Só sei que tinha que encontrar alguém.
Continuei a andar, a correr, a subir, a descer,
caminhos escuros, ruas estreitas, quintais sem fim.
Sabia que procurava, só não sabia o quê.
Voltei a casa. Não era a minha.
Estava tudo diferente,
ruas, casas, janelas, até a própria gente.
Eram contradições sobre contradições.
Estava em minha casa, sem a conhecer.
Estava na minha rua e tudo era diferente.
Carros passavam sem fazer um som,
tudo o que me rodeava, era mudo, amorfo.
Voltei à rua. Gritei desesperadamente e não ouvi nada.
Comecei a correr e o cenário não mudava.
Estava tudo parado, mudo, sem vida.
Era tudo familiar e estranho, perto e longe, vazio e confuso.
Era tudo meu mas nada me pertencia.
Acordei suada, cheia de medo e só.
Senti-me mal, chorei e suada fiquei.
Vazia, só, sem futuro ou ambição.
Que estou aqui a fazer? A sofrer?
Que angústia, que desamparo,
que solidão, que tristeza,
que incerteza.
Quem me dá a mão?!
Preciso de uma mão amiga,
preciso de um beijo,
de um afago,
de um carinho.
Preciso de sentir que não estou só.
É horroroso de mim própria sentir dó,
revolta, compaixão, pena e nojo.
Que faço?
Isto é loucura?
Isto é doença?
Quero lutar mas tenho medo.
Quero andar mas não me mexo.
Quero viver mas estou parada.
Será que tudo o que anseio é nada?

SE


Se alguma vez conseguisse adivinhar
aquilo que te vai no pensamento...
Se eu tivesse a certeza que o que dizes
é o que guardas no teu coração...
Se eu não tivesse medo de sofrer...
Se eu não tivesse horror a magoar...
Se eu conseguisse ajudar-te a descobrir
como soltar tudo o que prendi,
talvez até eu própria me assustasse
ao ver a força do que não vivi.

Se eu desse liberdade aos sentimentos,
se eu desse rédea solta à emoção,
se tu também sentisses o que sinto,
se deixássemos falar o coração,
se eu não temesse dar amor e receber,
se essa troca pudesse ser contigo,
então, amor, eu quereria ser, só ser.
Pois com calma, com ternura e intuição,
tinhas conseguido entrar no meu abrigo.

Ser capaz de te fazer muito feliz,
voltar a ter prazer em dar prazer.
E só com um olhar teu eu entender
aquilo que se quer e não se diz.
Queria poder dizer que junto a mim
te sentes tu, completamente tu:
cabeça, corpo, alma, coração.
E se a resposta de ti todo fosse sim,
então, eu deixaria renascer
tudo aquilo que matei há muito tempo,
pra te oferecer o meu prazer de ser mulher.

Convenção


Cheguei, neste momento, à terrível conclusão
que a minha vida teve muita convenção.
Nasci quando tinha que nascer.
Cresci quando tinha que crescer.
Estudei até a convenção deixar.
O meu namoro foi convencional.
E teve no casamento o fim formal
e esperado por qualquer convenção.

Estudar e estar casada, ao mesmo tempo,
já não se enquadrava bem
nos parâmetros que qualquer convenção tem.
- Trabalha, sê esposa e mãe – dizia a convenção,
- não sacrificas marido, pai ou mãe
e ainda tens um filho para os enternecer.

Esta ideia fez meu coração doer.
Queria estudar.
Tirar o curso que sempre desejei.
Queria aconselhar-me.
Pedir ajuda a alguém.
Ninguém apareceu.
Ninguém se apercebeu.
E então!!!
Resolvi, seguir a convenção.

Tive o filho que a convenção queria.
Foi sempre desejado e foi bem vindo
por mim, pelo pai, pelos avós.
E nasceu um rapaz sadio e lindo
que encheu minha vida de alegria e aflição.
Que quereria dele a Dona Convenção?

O tempo foi passando
como foi convencionado.
O filho foi crescendo
com os pais a seu lado,
mas, quando esse filho fez 12 anos
e, convencionalmente,
precisa mais do pai,
o pai morreu.

Onde estava a convenção?
A convenção a quem eu obedeci
em várias situações da minha vida,
contrariando-me a mim e ao meu coração?
Comecei a perceber que fui traída
por tudo o que rodeou a minha vida,
tudo aquilo em que entrou a convenção.

Então,
a partir de agora vou tentar
em tudo aquilo em que tenha que optar,
esquecer a convenção.

21 de outubro de 2007

Mulher


Sabem o que acontece quando uma pessoa lê um texto e pensa que isto tudo já lhe veio à cabeça mas nunca foi capaz de o passar a palavras?
Aqui vai um exemplo.
Obrigada meu amigo.


(Texto de autoria desconhecida. Supõe-se ser de uma sindicalista da Guatemala e que me foi enviado pelo meu amigo Aires)

Agradeço por ser mulher... Agrada-me que digam que sou histérica, porque então posso jogar os pratos na cabeça de quem me causa sofrimento.
Gosto que me chamem de bruxa, porque então posso mudar a direção dos ventos a meu favor. Gosto que me chamem de demônio, porque posso queimar o leito onde me abusam.
Gosto que me chamem de puta, porque então posso fazer amor com quem me dá vontade.
Gosto que digam que sou frágil, porque me lembram que a união faz a força.
Gosto que digam que sou fofoqueira, porque nada do que é humano me será alheio.
Porém, o que mais agradeço, o que mais me agrada, o que eu mais gosto e o que me faz mais feliz é que me digam que sou louca, porque então nenhuma liberdade me será negada.
Agrada-me saber que meu cérebro é menor que o cérebro do homem, porque então meu cérebro cabe em todos os lugares.
Agrada-me que me digam que careço de lógica, porque então posso criar uma lógica menos fria e mais vital.
Agrada-me que digam que sou vaidosa, porque posso olhar-me no espelho sem me sentir culpada.
Agrada-me que me digam que sou emocional, porque posso chorar e rir à vontade. Mil e uma vezes a Inquisição me queimou e aprendi a nascer das cinzas. Prenderam-me em um harém e, enclausurada, não deixei de rir. Colocaram um cinturão de castidade e adquiri a arte de um serralheiro.
Carreguei fardos de lenha e me fiz forte. Cobriram-me o rosto com véus e aprendi a olhar sem ser vista. Os filhos me acordaram à meia-noite e aprendi a manter-me em vigília. Não me enviaram à Universidade e aprendi a pensar por minha conta.
Transportei cântaros de água e soube manter o equilíbrio. Extirparam-me o clitóris e aprendi a gozar com todo o corpo. Passei dias bordando e tecendo e minhas mãos aprenderam a ser mais exatas que as de um cirurgião.
Ceifei o trigo e colhi o milho, porém me roubaram a comida e com fome aprendi a viver. Sacrificaram- me aos deuses e aos homens, e voltei a viver. Espancaram-me e perdi os dentes, e voltei a viver. Assassinaram- me e me ultrajaram, e voltei a viver. Arrancaram de mim meus filhos e, no pranto, voltei à vida.
Agradeço por ser um animal, porque os homens colocaram em perigo a sobrevivência do planeta. Agradeço por ser mulher porque o homem não é o centro do universo e sim apenas mais um elo perdido na cadeia da vida.
Agradeço que me digam que sou irracional, porque a razão tem conduzido aos piores actos de barbárie.
Agradeço por não ter inventado a tecnologia, porque ela tem envenenado a água e o ozono. Agradeço que me tenham colocado mais perto da natureza, porque nunca estarei só.
Agradeço que me tenham confinado ao lar e a família, porque posso fazer de toda a Terra meu lar e minha família.
Estou feliz que me chamem de dona de casa, porque posso apoderar-me da minha.
Estou feliz de não ser competitiva, porque então serei solidária.
Estou feliz de ser o repouso do guerreiro, porque posso cortar-lhe o cabelo enquanto dorme. Estou feliz de ter sido excluída do campo de batalha, porque a morte não me é indiferente.
Estou feliz de ter sido excluída do poder porque longe do poder me distancio da ambição e da cobiça.
Estou feliz que me tenham excluído da arte e da ciência, porque as posso inventar de novo.
Com tanta fortaleza acumulada, com tantas habilidades e destrezas aprendidas, mulher, se tentar conseguirá o mundo do avesso.

Carta escrita à nossa Ministra da Educação por Lúcia Maria de Mello Serpa e com quem estou plenamente de acordo


NÃO TÊM O DIREITO DE NOS TRATAR ASSIM !


"Sinto-me insultada, humilhada" - ouvi colegas dizerem repetidamente nos últimos tempos.

É em nome dos muitos docentes que partilham esta mágoa e no meu próprio que quero expressar a minha opinião. Costumo dizer que, de tanta pancada, me sinto dolorida. "Eles", leia-se Ministra e o Governo que a apoia, NÃO TÊM O DIREITO DE NOS TRATAR ASSIM.

Sempre me senti orgulhosa e honrada por, através da minha profissão, colaborar com as Famílias na formação dos seus filhos e meus alunos e contribuir para que eles se tornassem cidadãos responsáveis e participativos nas comunidades em que se viessem a integrar. Agora apontam-me o dedo acusatório e fazem-me sentir culpada do falhanço cultural de um país ? Senhora Ministra, V. Exª que é professora, quantos anos exerceu funções docentes ? Que Portugal percorreu, com malas e filhos às costas até conseguir instalar a sua vida num local definitivo e finalmente poder proporcionar alguma estabilidade à sua família ? Durante quantos anos o seu local de trabalho foi em locais remotos, com buracos no chão e no tecto, com o frio a tolher-lhe os movimentos ? Quantas vezes teve alunos a necessitar, muito mais do que aprender a ler, de uma refeição quente, ou de um colo onde encontrar o afecto que lhe faltava em casa ? Não sei a sua resposta, mas se o seu percurso profissional não se revê no que eu acabo de descrever, então Srª Ministra, desculpe, mas não admito que decida o que quer que seja, em meu nome e sem me ouvir !

Tenho 34 anos de serviço e apesar de me ter quase sempre sentido desconsiderada pelos sucessivos governos do meu país, nunca desisti dos meus alunos e fui professora, enfermeira, mãe, psicóloga, assistente social e colmatei todas as situações em que as obrigações dos governos iam falhando. Obviamente, tendo iniciado funções docentes em 1972, assisti a inúmeras tentativas falhadas dos governos de introduzir medidas reformadoras no ensino, sem nunca pararem para fazer uma avaliação credível e sempre ao sabor da orientação dos Ministros que se foram sucedendo, quase sempre fingindo que ouviam os professores.

E agora hábil e maquiavelicamente a Ministra faz, num total desrespeito pelos docentes deste país, passar a mensagem de que a culpa do insucesso governativo na área da educação é dos professores. Assisto ao ataque mais violento que desde o regime fascista foi feito à minha condição de Docente e de Mulher, com as medidas que a Ministra propõe no novo ECD. Poderia exemplificar com inúmeras histórias de mulheres professoras que conheço mas vou falar do meu caso que representa uma faixa etária de quem, pensando até há pouco tempo estar em fim de carreira, se assombra e ainda não acredita no injusto e violento abanão que o país pela voz da Ministra lhe está a infligir: - Com o meu tempo de serviço passarei a Professor Titular destacando-me dos meus colegas que serão APENAS Professores ou ainda menos, candidatos a professores e assim poderão ficar indefinidamente porque o sistema de avaliação é tão repressivo que muito dificilmente poderá progredir mesmo que tenha um desempenho exemplar, porque as quotas fixarão o número de professores bons que uma escola pode ter. - Sendo Coordenadora de Departamento terei de avaliar os meus colegas com todos os problemas pessoais que daí podem surgir e serei avaliada pelos pais dos alunos com todo o tipo de pressões e conflitos que inevitavelmente ocorrerão. - Terei de assistir à repressão prevista para se abater sobre as minhas colegas, Mulheres em idade fértil, que tiverem a péssima ideia de quererem realizar-se como Mães porque nesse ano não serão avaliadas e nos anos seguintes se precisarem de faltar mais de cinco dias, serão castigadas com a avaliação de Insuficiente, correndo o risco de serem afastadas da carreira !!!!! Inacreditável !

Uma mulher que pretende penalizar outras mulheres por estes motivos não andou na Faculdade de Letras em Lisboa nos aos 70-74, a ser perseguida e a levar bastonadas da polícia de choque Marcelista que nos espancava, mesmo em estado de gravidez adiantada até nos fazer abortar. - O meu discurso parece exageradamente dramático ? Não é !!! - O que é DRAMÁTICO é a maneira injusta e cruel como a opinião pública está a julgar e crucificar em praça pública os professores deste país, deixando-se influenciar pelos habilidosos discursos de quem sabe que o elo mais fraco do sistema educativo são os docentes, sendo estes portanto o alvo ideal para o povo descarregar a sua frustração e raiva pelo rumo que o país está a tomar, em viagem vertiginosa para outra ditadura.

Lúcia Maria de Mello Serpa

ANA


Para fugir à maioria dos mortais, sou daquelas pessoas que gosta do nome que tem. Chamo-me Ana. É um nome como eu, pequeno, simples, fácil de pronunciar. Vinda de uma família muito simples sem muitas aspirações, com muitas devoções e ainda mais preconceitos. Os meus pais são lisboetas. Conheceram-se em crianças, na escola. Começou então, um namorico que as pessoas que o notaram classificaram de criancice, o desabrochar para o semelhante, claro que nessa altura não se classificava assim, dizia-se apenas que a menina iniciava a "idade do guarda-fato" e o rapaz já começava a ter a mania que era franganote. O tempo foi passando, a vida foi correndo e o franganote tornou-se homem, começou a trabalhar, era um senhor, empregado de escritório que já trazia o seu ordenado para casa dos pais. Vejam lá! O meu filho teve sorte! Logo no primeiro emprego que arranjou, começou a ter um ordenado maior do que o pai que já está há tantos anos na Guarda Fiscal. Isto para a mãe do rapaz era uma honra, ela que nem o nome sabia fazer. A menina tornou-se moça e também se empregou, também era empregada de escritório. Os dois trabalhavam na Baixa onde toda a gente se vê, todos os dias, mas ninguém se conhece. O rapaz morava no Bairro do Caramão da Ajuda e a rapariga na Boa-Hora. Os transportes eram os mesmos, as horas também. Surgiu uma atracção, um medo pelo que se começava a sentir que era novo e, por isso, diferente. A primeira conversa surgiu recordando a meninice, as brincadeiras de criança foram faladas no eléctrico, onde os primeiros encontros eram casuais. Chegaram, mais tarde à conclusão que a conversa era agradável, a companhia boa e a viagem que, ás vezes era enorme, tornou-se curta, rápida. Havia tanto para contar! Das conversas do passado passou-se ao presente. O que faziam, como faziam, o que gostavam, e havia tanta opinião comum no dia a dia que levavam. Do compartilhar tempo de viagem começou a sentir-se prazer em compartilhar tempo livre, em mudar conversas de todos os dias para conversas de alguns dias e mais tarde para aquelas conversas a que eu chamo de raros dias para raras pessoas. Chegaram então à conclusão que as afinidades não eram só em relação à vida de trabalho que levavam mas também existiam em certas opções, certas preferências e, por fim, até em emoções, em afeições, em sentimentos. Surgiu então a poesia e, no dia 8 de Julho de 1950, a menina mulher e o franganote já homem, casaram. Começou outro estilo de vida, era tudo compartilhado, o espaço, o tempo, a ideia, o pensamento e, no dia em que esse compartilhar foi um dar total, surgiu a Ana, tão pequenina, tão minúscula, tão discreta que nem ela sabia que já existia e que era gente. Não fui desejada. A minha mãe ainda achava que era muito cedo para ter filhos, tinham casado há muito pouco tempo, na casa ainda havia muita coisa para completar. Então, o meu avô materno deu a sua opinião: - A primeira gravidez é sagrada. E nós cá estamos para ajudar. A maioria da família concordou e eu tive autorização para nascer.