30 de outubro de 2008

Lenda da Brasília

Lendas de Portugal de Gentil Marques
Quando hoje em dia se fala em Brasília, todos pensam imediatamente na nova e esplendorosa capital do Brasil, autêntico milagre de iniciativa e de esforço.
Mas a história que vou narrar não diz respeito à Brasília monumental dos tempos actuais e sim a uma pequena terra do norte de Portugal, que também se chama Brasília. E o mais curioso de tudo é que esta Brasília portuguesa é já muito velhinha... Fica lá em cima, no concelho de Vila Verde, na freguesia de Escariz (S. Martinho), distrito de Braga, em pleno coração do Minho...
Pois foi devido a uma circunstância fortuita que encontrei os vestígios da história desta Brasília bem portuguesa, a qual vou evocar aqui, precisamente, como saudação fraterna à Brasília de 1960.
Tudo começou há muitos e muitos anos já, talvez numa manhã fria e ventosa, quando os lobos uivavam na serra e o céu se tingia de ameaças de tormenta.
Nessa manhã invernal, subindo a encosta batida pelo vento, destacavam-se dois vultos lutando contra a Natureza. Um homem e uma mulher. Ambos procuravam alcançar a casa onde viviam, ali, nos arredores então quase desertos de Vila Verde.
A tormenta mal deixava que falassem. Mas falavam, apesar de tudo...
- Estamos já próximo... Mais um esforço, mulher!
Ele procurou ampará-la dando-lhe alento para o resto da jornada. Porém, ela parecia demasiadamente débil para aguentar essa arrancada final.
- Tenho medo de não poder ir mais longe... Sinto-me sucumbir...
O braço forte do homem enlaçou-a.
- Vamos, eu ajudo-te... Uma pequena corrida e estaremos em casa...
Mais num sopro de alma do que pelas próprias palavras, ela assentiu:
- Está bem, homem... seja o que Deus quiser!
E Deus quis, segundo conta a lenda. Conseguiram alcançar a casa, vencendo o vento violento e cortante.
Quando a porta bateu atrás deles, deixando o vento lá fora, a mulher caiu extenuada sobre um banco de madeira.
Arquejando, no saldo do esforço feito, o homem olhou-a e mordeu os lábios grossos. Por remorso ou por piedade. Só ele o sabia.
Depois, atirou-se também para cima de um banco tosco.
- Uff! Até que enfim... Cheguei a pensar que desta vez não chegaríamos...
Houve uma pausa. Pausa cortada apenas pelo ranger da madeira e das telhas, ao sabor da ventania louca que continuava cavalgando pela serra.
Quase chorosa, a voz trémula da mulher fez-se ouvir então:
- Que direi eu?
Parou. Respirou fundo. E repetiu, como que um eco, para si própria:
- Que direi eu?
Os seus olhos, ainda doridos, voltaram-se para o marido.
- Foi para isto que me trouxeste lá da minha terra distante?
Ele encostou-se molemente à mesa de pinho. E a sua voz soou também com um certo acento de moleza:
- Que queres, mulher? Nem tudo pode sair à medida dos nossos desejos...
Encolheu os ombros, a sacudir as suas culpas.
- Eu bem te disse, quando casámos: hei-de voltar a Portugal, à minha terra e lá teremos o nosso lar...
Mas a mulher, de súbito, encontrou forças para ironizar:
- Bonito lar, não há dúvida... Um casebre... Um bocado de terra que não dá nada... e este tempo horrível, pavoroso... Um inferno!
Agora, a ironia já sabia a lágrimas. O homem tentou contemporizar:
- Ora, Deus há-de ouvir as nossas preces. Depois da tempestade virá a bonança, acredita!
Ela abanou a cabeça. Tristemente. Desesperadamente.
- Quando estivermos mortos, não é verdade?... Ou, pelo menos, quando já não pudermos lutar...
De novo o silêncio. Depois, o vento e os lobos lá fora. Uivando.
O homem ergueu-se. Andou uns passos para a companheira. Hesitante.
- Tem fé, mulher, tem fé como eu!... Nunca te enganei... Quando tive a sorte de te encontrar lá no Brasil, não te prometi nada que não te tivesse dado.
Foi a vez dela o olhar bem de frente. E ergueu-se, também, como uma sombra.
- Achas que me tens dado tudo o que me prometeste?...
teve uma risada curta e sarcástica.
- Onde está a terra fértil?... Onde está a nossa linda quinta, no Minho?... Onde está a nossa fortuna?...
Calaram-se os dois.
Aquelas palavras da mulher ficaram a doer na alma do marido. No resto do dia. Toda a noite. E nos dias seguintes.
Por fim, resolveu-se. Foi procurar o velho e bondoso padre da freguesia.
- Senhor Prior, quero que seja o senhor o primeiro a saber: eu vou voltar ao Brasil.
Os olhinhos piscos do padre abriram-se em parêntesis de espanto.
- Que dizes, homem? Que ideia é essa?
O homem torceu as abas do chapéu nas mãos rudes e nervosas.
- A minha mulher tem razão, senhor Prior... Há uma coisa, pelo menos, que lhe prometi e ainda não lhe dei: a fortuna... E essa... essa só a poderei encontrar no Brasil!
- Mas vais aventurar-te outra vez em tal viagem?
O homem respirou forte. Forte e fundo. Como se tivesse menos dez anos:
- E isso que tem, senhor Prior? Aproveito o próximo embarque... Conheço aquilo como as minhas mãos... Voltarei rico em pouco tempo.
Arreganhou os dentes num sorriso. Sorriso de desafio e de confiança.
- Rico, senhor Prior!
O velho padre compreendeu que de nada valia tentar dissuadi-lo. Limitou-se a dizer:
- Faz o que achares melhor... e que Deus te proteja!
Depois, traduziu em pergunta uma ruga de preocupação que se lhe vincara na testa:
- Ouve lá... E com respeito à tua mulher?...
A resposta veio pronta como que estudada e decorada há muito tempo:
- Ela ficará aqui, senhor prior, à sua guarda.
A ruga de preocupação multiplicou-se em muitas outras rugas.
- À minha guarda?
O homem buscou uma explicação ao plano que forjara em noites de insónia:
- Sim! É como quem diz: à guarda de Deus!... O senhor Prior a livrará de maus olhados... e de más companhias. Que esta gente, quando a sentir sozinha não a deixará sossegada. Mas posso confiar em si, senhor Prior, não é verdade?
O velho padre gostou desse tom de franqueza. Sorriu docemente.
- Podes sim, meu filho!
O homem levantou-se de olhar iluminado. Era o princípio da sua vitória. E tinha aleluias na voz quando voltou a falar:
- Dê-me a sua bênção, senhor Prior... Até à volta, e que Deus me proteja!
Tal como dissera, o homem seguiu de novo o caminho da aventura... Nesses tempos já longínquos chamavam-se "brasílios" ou "brasileiros" àqueles que iam tentar a sorte no Brasil e regressavam depois, às suas terras. O nosso homem era um desses "brasílios".
E, por isso mesmo, a sua abalada deixou toda a gente das redondezas a falar no caso, tecendo os mais variados comentários pois não era habitual voltar à grande aventura, pela segunda vez...
Entretanto o tempo foi passando, correndo, fugindo. E, tal como nos conta a velha história quase desfeita pelos séculos, não voltou a haver notícias do homem que voltara ao Brasil. Mais cansada, mais triste, mais desiludida, a mulher queixava-se amargamente:
- Senhor Prior, que posso eu fazer aqui, sozinha... se meu marido me abandonou?
Que podia ele responder , senão o que lhe ditava a própria consciência?...
- Não te abandonou, minha filha... Foi apenas tentar conquistar a fortuna que te prometera.
- Para quê? Sim, para quê?... A fortuna estava aqui ao nosso alcance... Ele tinha razão... Esta era a terra que Deus guardava para nós... Mas agora... agora... que posso eu fazer, senhor Prior?
De mãos unidas, como em oração, a pobre mulher erguia-se diante do velho padre. O sacerdote percebeu que a hora era decisiva. Ou ela se salvava ou ela se perdia. E deliberou atacar o problema de frente...
- Tens de tratar da terra como se ele estivesse a teu lado!... Tens de criar a quinta com que ele sempre sonhou!... Sabes lá, minha filha, se o teu marido não voltará um dia?
palavras oportunas e justas. Cada uma delas acertou no alvo. E o alvo era o coração.
- Está bem, senhor Prior! Assim farei!
A partir de então a mulher atirou-se valentemente ao trabalho. Das fraquezas fazendo forças. Transformando fragilidade em ousadia, ganhando entusiasmos com o próprio esforço.
Naquele lugar quase deserto e abandonado, começou a surgir uma quinta maravilhosa, como que abençoada por Deus!
Porém, a mulher tudo fizera por uma inspiração febril. E quando a febre se esgotou diante da obra consumada, ela ficou mais gasta e mais triste, e mais soturna do que sempre.
Lentamente, voltou ao encontro do velho padre.
- Senhor Prior, creio que cumpri o meu dever...
O sacerdote (também mais gasto, e mais triste, e mais soturno) elevou os olhos ao céu.
- Deus te abençoará minha filha!
Mas ela não procurou delongas. Foi direita ao fim:
- Creio que não poderei durar muito mais tempo, senhor Prior... Sinto-me esvaída... Acredite!... talvez me falte o calor do amor...
Respirou fundo a recobrar alentos, e prosseguiu:
- Sim... Que vale uma espera destas, sem marido?
Parou, travada por um pensamento qualquer. E sorriu suavemente. E confidenciou, num murmúrio:
- Quer saber uma coisa, senhor Prior?... Uma destas noites, sonhei com o meu marido... Vi-o tal e qual como no dia em que ele abalou... Mas já não estava na Terra... Tinha subido ao Céu...
Olhou o padre. Ele nada disse. Então a mulher elevou a voz:
- Eu também me sinto morrer, senhor Prior! E peço a Deus que me junte de novo ao meu marido!
Passou entre ambos um pequeno silêncio. Silêncio feito de saudade e de evocação. E o velho padre disse, pausadamente:
- Decerto que sim, minha filha... A tua vida exemplar, toda devotada ao respeito e ao sacrifício, bem o merece!
Por instantes a mulher ficou inebriada pela bênção. Mas, de seguida, um outro pensamento lhe afluiu ao cérebro:
- E esta quinta, senhor Prior? Este lugar? para que servirá tudo isto, depois de eu morrer?
O sacerdote velhinho cruzou as mãos sobre o crucifixo. Cerrou os olhos e respondeu com toda a força do seu íntimo:
- Servirá para mostrar a tua história e o teu exemplo!
De facto, segundo se conta e eu reconto, depois do sonho que tanto a impressionou, a mulher não durou muito mais tempo, como ela própria supusera. E dizem que morreu sorrindo. Sorrindo e de olhos em êxtase, murmurando:
- Lá está ele... Ele, o meu marido... Vou para junto dele... Para junto do meu brasílio... pois eu sou a sua brasília!
E toda a população dos arredores foi ao último adeus. Nesse dia, a quinta parecia ainda mais bela e maior.
Embora muito velho e vacilante, o senhor Prior não quis faltar. De mistura com as flores que depunham na campa da mulher, ele deixou cair também uma rosa desfolhada pelos dedos trémulos. E disse, com o que lhe restava da eloquência habitual:
- Sim, meus filhos! Vocês que tanto falaram do brasílio, quando ele voltou à aventura, só têm agora que falar bem da mulher do brasílio. Peço-lhes, meus filhos, que este novo lugar, em homenagem ao esforço de quem o criou, fique a chamar-se, para sempre, tal como vocês já lhe chama  - o lugar da Brasília!
Na verdade, lá está desde há séculos, na freguesia de Escariz (S. Martinho), no concelho de Vila Verde, do distrito de Braga, em pleno coração do Minho, o Lugar da Brasília ou apenas Brasília, como se designa hoje em dia.
E quem sabe se foi daí que nasceu precisamente a ideia do anónimo deputado paulista anterior ao projecto de José Bonifácio de Andrada e Silva que realmente se transformou em realidade esplendorosa no ano de 1960?...
Quem sabe?

25 de outubro de 2008

VII- O Carro

A carta aqui apresentada pertence ao Tarot do Renascimento de Giorgio Trevisan e foi publicado por Lo Scarabeo em 1995.
As primeiras versões desta carta mostravam o carro puxado por dois cavalos e não por duas esfinges, a ideia partiu dos desfiles organizados em Roma e noutros lugares homenageando o herói conquistador que seguia pelas ruas aplaudido por uma vasta assistência. Dois mil anos depois ainda podemos assistir a esses desfiles mas, neste caso, já raramente se usam carruagens (que me lembre só em desfiles em Inglaterra e em ocasiões especiais) mas sim limusines.
O Carro sugere mais do que uma grande vitória. Quando se dirige uma carruagem puxada por dois cavalos, em velocidade, tem que haver muito controlo sobre os animais.
O condutor do carro não segura rédeas, seu carácter forte, sozinho, controla as forças opostas da vida. Se repararmos a esfinge clara e a escura não estão em harmonia, olham em diferentes direcções. É a vontade do cocheiro que as mantém juntas, num equilíbrio tenso. Se essa vontade falha, o Carro e o seu condutor serão despedaçados.
Embora o carro seja, muitas vezes visto como símbolo de maturidade, devido à conexão com a letra hebraica "Iaien" o carro transmite a qualidade da fala. A fala sempre deu aos humanos a impressão de representar a mente racional e o seu domínio sobre a natureza. Até onde sabemos apenas os humanos possuem o dom da linguagem (embora os chimpanzés se tenham mostrado capazes de aprender os sinais da linguagem humana, e as baleias e os golfinhos talvez possuam uma linguagem própria desenvolvida) e podemos dizer que a fala nos separa dos animais.
Resumidamente o carro significa o grande salto para a frente. Mostra que nos livrámos do ambiente conhecido e que tomámos o nosso próprio caminho. Podemos notar aqui o anseio de liberdade, o orgulho, a procura do Paraíso Perdido ou a simples vaidade. Estamos aqui em presença de um progresso enérgico, a vontade e grande disposição para correr riscos.
No entanto, devemos estar alerta para não valorizarmos em excesso as nossas forças, nem agirmos com excesso de confiança e euforia, antes pelo contrário, devemos compreender que ainda temos muito que aprender.
Exercício de Meditação:- Escolha uma posição confortável, coloque o Arcano O Carro à sua frente. Olhe atentamente para a carta durante uns minutos, feche os olhos, coloque as mãos voltadas para cima descontraidamente sobre o colo ou joelhos. Respire e expire profundamente, deixe-se encher de energia chi, de uma luz branca, brilhante vinda directamente do Universo para o seu ser. Visualize diante de si o carro do Imperador. Está em frente dele de pé e sente-se muito tranquilo/a e seguro/a.
Suba para o carro, tome o lugar do condutor. Sabe que os cavalos só o/a podem conduzir numa única direcção, a da vitória. À sua frente estão a suas metas pessoais, consegue ver com grande clareza. Vê todos os obstáculos, mas agora sabe que este carro não pode andar mais para trás pois já está a caminho. Conforme avança também se vai enchendo de confiança e certeza das suas conquistas.
A sua vida passa à sua frente como num filme. Olhe atentamente e veja em que área precisa direccionar melhor a sua vida para caminhar apenas para a realização e felicidade... Avance, confie nos animais, está em rumo firme, confie em si e nas suas capacidades. Chega ao seu destino com muitas certezas. Agora sabe que, mesmo que surjam obstáculos tem em si a força necessária para concretizar tudo o que deseja.
Agradeça a viagem no carro. Aos poucos, desvaneça a sua imagem, concentre-se na respiração e, progressivamente, saia do relaxamento.
Afirmações (conselhos) para a carta O Carro
- Atinjo todos os meus objectivos com certeza e determinação da minha parte, usando a força da minha mente unida à razão.
- Eu sou a direcção.
- Eu sou a vitória.
- Eu sou o progresso.
- Eu sou a confiança

24 de outubro de 2008

Lenda da Terra da Galega

Esta imagem pertence à Igreja Matriz da Golegã e foi conseguida por Sérgio Moura e recolhida em Olhares.com
Lendas de Portugal de Gentil Marques.
Ali, no meio da planície ribatejana, apenas a cinco quilómetros do rio Tejo, estende-se a pitoresca e curiosa vila da Golegã, onde se realiza, todos os anos, a famosa feira de S. Martinho.
Pois a Golegã, a da feira de S. Martinho, possui também a sua história lendária. História que vem das próprias raízes da nossa nacionalidade, tal como o povo conta e assegura. História evocada aqui, como que ao sabor do castiço fandango, alma e poesia de todo o Ribatejo.
Nos princípios de Portugal - reza a lenda remota - a Golegã ainda não existia... Por ali, havia unicamente, um terreno pedregoso e aparentemente inútil. Era a Terra do Demo, como então chamavam a todos esses descampado sem vivalma.
Mas um dia aconteceu que certa mulher, oriunda da Galiza e residente em Santarém, se meteu a caminho para tratar da vida. Era longa a jornada. Longa e penosa. Quando chegou ao local ermo onde hoje se estende a Golegã, pensou decerto o mesmo que pensavam quase todos os caminhantes que por ali passavam, ou a caminho de Santarém ou em direcção a Coimbra. Pensou que seria bom existir ali um abrigo, onde se pudesse descansar um pouco e ganhar novas forças para o resto da jornada.
Era mulher animosa, aquela. Desde criança, na sua Galiza distante, habituara-se a trabalhar e a vencer sozinha.
Olhou em redor, enquanto se retemperava, e voltou a pensar na mesma ideia. Eram terras sem dono, essas terras agrestes e abandonadas. E se ela ficasse ali? E se ela construísse ali uma pequena estalagem onde se abrigassem os viajantes?...
Se assim o pensou, melhor o fez, segundo conta a lenda. Tinha braços fortes e alma de antes quebrar que torcer. Em pouco tempo, a sua venda embora modesta, punha uma nota de vida num local outrora deserto...
A partir de então, os viajantes passaram a bendizer a ideia magnífica e tornou-se, por assim dizer, ponto obrigatório de paragem, no caminho, a Venda da Galega - como desde logo ficou designado aquele local.
A mulher multiplicava-se em esforços e em vontade para atender todos da melhor maneira. E alguns tornaram-se mesmo familiares da casa, de tanto que ali passavam e paravam. Entre eles um fidalgo desenvolto e impertinente, que requeria para si o melhor quinhão da comida e da bebida.
- Eh, Galega, chega aqui... Viste o vinho que me deitaste?
Era mais uma das recriminações do "Senhor Fidalgo". Ela suspirou molemente:
- Ah, senhor Fidalgo... vou já arranjar outro melhor... Desculpe, mas o trabalho é tanto, que mal tenho tempo para ver o que sirvo...
Ele inclinou-se um pouco para a frente e falou-lhe em tom de confidência:
- Ora, do que tu precisas Galega, é de um homem que te proteja... que te possa auxiliar em tudo isto!
Foi a vez do rosto dela se abrir numa risada:
- Onde está esse homem Senhor Fidalgo?
Voltou a suspirar e acrescentou em tom de confidência:
- Eu bem o procuro... mas nunca o encontrei até hoje.
Puxou um banco para junto da mesa e sentou-se pesadamente, sentindo que devia desabafar:
- Sabe uma coisa, senhor Fidalgo? Todos os que se oferecem para casar comigo, o que querem é explorar-me, apanhar o meu dinheiro, que eu ganho com tanto trabalho, com tanto sacrifício!
Voltou a erguer-se e rematou, já em voz mais forte:
- ! Nessa não caio eu... Antes prefiro viver sozinha que mal acompanhada!
Fez-se um pequeno silêncio. Ela já ia retirar-se, de regresso ao trabalho, mas a voz dele soou, fazendo-a parar:
- Pois tu não percebes o que eu digo, Galega? O que tu precisas não é de qualquer desses valdevinos que enchem a tua venda... É de um homem forte, bom, compreensivo... enfim... de um homem como eu!
Desta vez o silêncio foi mais demorado. A mulher ficou com tremores na voz, quando voltou a falar:
- O quê?... O Fidalgo?... O senhor Fidalgo... quer dizer...
Ele resolveu ser mais explícito.
- Quero dizer que posso ser o homem que tu ainda não encontraste!
Sorriu, superior e bonacheirão, e rematou, depois de beber o resto do vinho:
- Pensa bem, Galega!... Sigo viagem e, no regresso, pararei por aqui, para saber a tua resposta.
Andou uns passos para a porta e, quando se voltou, para se despedir, ela ainda estava no mesmo sítio, olhando em frente, como que aparvalhada.
Ele riu, satisfeito.
- Eh, Galega, não faças essa cara... Tudo é possível na vida!
Saiu batendo com a porta. E a mulher encontrou-se a repetir para si própria, baixinho, como que a medo:
- Tudo é possível na vida!
O tempo foi passando... Agora a Galega tinha um pensamento dominante... "Santo Deus! Eu, com um fidalgo por marido... Essa nunca me tinha passado pela cabeça... Portanto, qualquer dia poderei ser marquesa... ou mesmo rainha". E ria, ria perdidamente, esquecida dos que a olhavam sem perceber...
Mal podia ela adivinhar que o tal senhor Fidalgo há muito tempo já amadurecia o plano que só agora pusera em prática.
No regresso da viagem, sobre o tropel dos cavalos nos caminhos, ele gritava para os companheiros, numa moldura de gargalhadas:
- Vocês vão ver rapazes!... A Galega cai-me no papo e é um ar que lhe dá... E com a maquia que ela já juntou, podemos nós fazer muita coisa... Depressa, rapazes, estou desejoso de chegar.
Entretanto, tal como ele próprio dissera, tudo era possível na vida... E assim algo acontecera que viera modificar um pouco os planos da Galega. Dias antes, tinham chegado à estalagem um velho viandante e sua filha. E o velho, de aspecto respeitável e fala insinuante, ao olhar aquelas terras não escondera a sua surpresa e admiração:
- Que lugar admirável! Que grande povoação se fazia aqui!
- Ora, meu pai, não sonhe tão alto...
Mas a Galega, atraída por estas palavras, insistiu:
- Deixe-o lá menina, deixe-o sonhar... E diga-me, meu senhor: acha na verdade que se poderia daqui fazer uma grande terra?
O olhar do velho brilhou estranhamente, como se ele fosse profeta:
- Basta querer... Este é um sítio ideal, no caminho grande... Toda a gente passa por aqui...
- Lá isso é verdade, meu senhor... Às vezes até passa gente demais...
- Ora, e cada vez há-de passar mais gente, acredite... O mundo está a desenvolver-se. Ah, se eu pudesse!...
- O senhor... se pudesse... o que fazia? Diga-me...
- Quer saber? Pois oiça... Mandava construir mais casas. Transformava tudo isto numa povoação. Em vez de passar apenas, as pessoas vinham para aqui viver... E a terra havia de aumentar... Os campos seriam cultivados... O rio seria aproveitado... Ah, se eu pudesse! Mas para isso precisava de muito dinheiro... E eu sou um velho, um velho e um doente. Nada valho! Tenho gasto a vida a sonhar...
Calou-se. O seu olhar deslizava pelo espaço em frente, como se já visse erguida a povoação que profetizava. A própria Galega ficou suspensa, a pensar, a sonhar também. E, de súbito, soltando o que lhe ia no íntimo, confessou:
- Dinheiro, dinheiro bastante tenho eu... Se não fosse a proposta de casar com um fidalgo, quem se metia nisso era eu... Seria tão bom ter uma terra, uma grande povoação...
O velho continuou-lhe o pensamento.
- Com muita gente, muitos campos cultivados, muitos jardins...
- Isso mesmo! Isso mesmo!
O peito da Galega arfava de contentamento e emoção.
- Ah, se não fosse o tal fidalgo...
- E sempre vai casar com ele? - perguntou a filha do velho viandante.
A mulher hesitou na resposta:
- Sei lá, minha menina... Ele deve estar de volta, para saber o que resolvi... Vamos a ver se tomo alguma decisão até essa altura. Deus queira que sim!
Conforme se conta na lenda remota, passados dias, tornou o Fidalgo. Era uma tarde de calor. Não havia movimento nos caminhos.
Habituado à casa, o Fidalgo empurrou a porta e entrou molemente. A sala estava deserta. Sentou-se à vontade, sentindo-se já senhor de tudo aquilo. Esperou uns momentos. Como ninguém aparecesse, ele bateu as palmas com força e gritou:
- Então, ninguém atende? Morreu tudo?
Com grande surpresa do Fidalgo, apareceu uma rapariguita.
- Pronto, meu senhor!... Deseja alguma coisa?
O olhar impertinente do viandante examinou-a, de alto a baixo.
- Olá, temos cara nova... Pois claro que desejo... Quero comer e beber!
Ela ia a retirar-se, mas ele reteve-a suavemente por um braço:
- Ouve lá, cara linda: a Galega onde está?
Suavemente também , a rapariga libertou-se. E respondeu:
- Foi tratar de meu pai... Ele está muito doente... está à morte.
- Hum... Pobre pequena... tens o pai a morrer?
- Teve uma recaída senhor... Sofre muito do coração... Cansou-se na viagem até aqui...
Limpou, rapidamente, os olhos ao avental e procurou dar à voz um tom mais seguro:
- Eu vou buscar o que deseja...
Demorou pouco tempo. Absorto nos seus pensamentos, o Fidalgo nem a olhou. Começou a comer e a beber. Principalmente a beber...
E foi bebendo até se fartar. A tarde escurecia e ele voltou a bater as palmas com força e a gritar:
- Onde raio se meteu esta gente?
A rapariguita reapareceu, agora mais chorosa. Assim que a viu, o Fidalgo avançou para ela, já pouco seguro nos gestos e na voz.
- Eh, pequena... Então sempre vais ficar órfã?
- Oh, senhor, cale-se! Cale-se, por amor de Deus!
Ele segurou-a com força.
- Calo-me... mas antes quero dizer-te uma coisa: quando eu casar com a Galega, podes contar comigo...
Indignada, a rapariguita fez um gesto para se libertar, sem o conseguir.
- Pois atreve-se, neste momento?... Largue-me! mete-me nojo! Pobre galega... Ela que tem um coração de oiro...
Estoirou uma gargalhada impudica.
- Isso mesmo, pequena!... Um coração de oiro que pode valer bom oiro para nós dois... se tu quiseres...
Ela deu novo safanão, sem resultado.
- Largue-me, já lhe disse!... Mas descanse... eu vou contar tudo à Galega para ela saber o que o senhor é e o que pretende...
Irritado, o Fidalgo ergueu o braço num gesto de ameaça.
- Ai de ti, se disseres uma palavra!... Olha que sou capaz...
Mas calou-se, de repente, sem saber que fazer. Na penumbra que envolvia a sala, a Galega entrara, sem que dessem por ela. Avançou devagar, libertou a rapariga e olhou o homem bem de frente.
- Não sois capaz de nada, senhor Fidalgo. Eu ouvi tudo. Agora compreendo muita coisa...
Ele ainda tentou uma explicação:
- Eu queria apenas...
Num impulso de cólera, a mulher interrompeu-o e apontou-lhe a porta:
- Cale-se! O senhor não queria nada, o senhor não quer nada... O senhor vai sair imediatamente da minha casa, para nunca mais cá voltar... Ouviu bem? Para nunca mais cá voltar!
E sem uma palavra o Fidalgo saiu, para nunca mais voltar...
Nessa mesma noite, a morte veio buscar o pobre velho sonhador e, junto do corpo ainda quente, a Galega disse, como se fosse uma oração, à pobre rapariguita que chorava convulsivamente:
- O teu pai já não pode construir a linda terra que desejava... Mas vais tu construí-la!... Daqui em diante serás como minha filha!
E assim aconteceu, diz a lenda recontada de gerações em gerações. A povoação alargou-se, cresceu, embelezou-se, tornou-se importante. As duas mulheres, unidas pelo mesmo ideal, conseguiram transformar o sonho em realidade.
Pequena inicialmente, grande depois, a povoação sempre ficou conhecida pelos antigos, como a "Terra da Galega". E só mais tarde se transformou, pela inevitável corrupção popular, na Vila da Golegã, actualmente uma das mais típicas e progressivas de todo o Ribatejo.

23 de outubro de 2008

VI - Enamorados

A carta dos enamorados apresentada nesta imagem pertence ao Tarot Tavaglione também conhecido por Stairs of Gold Tarot foi desenhado por Tavaglione e publicado por US Games em 1979.
Em certos Tarots esta carta apresenta três imagens (como é o caso deste): um homem jovem ferido pela seta de Cupido e forçado a escolher entre duas mulheres, outros baralhos apresentam um homem maduro e uma mulher.
Nas primeiras versões de tarot esta carta trazia o nome de "A Escolha" ou "A Decisão" e podia significar uma escolha importante entre dois desejos. No entanto, esta escolha pode ser interpretada de muitas maneiras: uma escolha entre algo agradável mas talvez tedioso e algo muito desejado mas moralmente incorrecto, a escolha entre o conforto do lar paterno e a saída para a formação do seu próprio lar. Se virmos bem, toda a nossa vida é feita de escolhas.
Esta carta pode representar a adolescência, não apenas a sexualidade que emerge nessa época mas também a independência moral e intelectual.
De acordo com os cabalistas e filósofos herméticos, toda a humanidade (e até a divindade) era originalmente, hermafrodita, o macho e a fêmea separaram-se apenas como consequência da Queda. Assim, ao nível externo, cada um de nós é apenas a metade de uma pessoa e através do amor podemos encontrar o sentido da unidade.
Esta mesma ideia já era defendida por Platão com uma diferença bastante interessante pois, dizia ele. que os humanos eram criaturas duplas mas de três espécies: macho-fêmea, macho-macho e fêmea-fêmea. Zeus achava que os humanos tinham demasiado poder e então separou-os com um raio e assim, cada um de nós está procurando a sua metade.
Resumidamente esta carta une dois temas diferentes. Por um lado, mostra uma grande experiência amorosa mas também nos dá a entender que esse passo envolve uma decisão indispensável: a renúncia ao actual modo de vida (a casa paterna, a vida de solteiro, os muitos namoros) e a aceitação clara de um único amor.
Exercício de meditação:- O objectivo desta meditação é não ter medo das escolhas.
Coloque-se numa posição em que se sinta confortável. Comece por fazer várias inspirações e expirações longas e profundas até a sua respiração estar ritmada. Coloque a carta dos Enamorados ou Escolha à sua frente, olhe-a atentamente por uns minutos, deixe vir à sua mente tudo o que a carta representa: escolhas, decisões, perspectivas.
Respire profundamente e visualize-se numa estrada. Comece a caminhar por ela... enquanto caminha, deixe vir à sua mente a situação que, neste momento, lhe pede uma escolha ou decisão.
Inspire e expire mais algumas vezes até se sentir bem relaxado. Na sua caminhada, chega a um ponto em que, à sua frente, se apresentam duas alternativas de estrada. Olhe para cada uma delas; para onde o/a leva a estrada da sua esquerda? E a que está à sua direita? À sua frente aparece agora um ser de imensa luz. É um anjo, não tenha medo, aproxime-se, cumprimente-o e fale-lhe das escolhas ou decisões que tem que tomar. Agora sente-se muito bem, está bastante relaxado/a... o anjo tem na mão uma pequena luz rosa e oferece-a a si, com muito amor. Abra o seu coração para a receber, pois as escolhas mais sábias são as que se fazem com o coração, com amor. Agradeça a ajuda que o anjo lhe trouxe. Agora está preenchido/a com a poderosa energia do amor e da harmonia. Escolha uma estrada e siga por ela. Caminhe confiante na sua escolha. As suas emoções estão agora em perfeita harmonia e tem a certeza do apoio do Universo. Caminha na certeza da escolha feita, sabe que escolheu com amor e sabedoria e na certeza de encontrar no fim desta nova estrada o melhor para si.
Sente-se muito bem e está em paz. Acredite na escolha que fez!
Respire profundamente e guarde dentro de si todas as sensações deste exercício. Abra os olhos e saia progressivamente do relaxamento.
Afirmações (conselhos) para a carta dos Enamorados
- Tomo sempre decisões corajosas e decisivas dentro dos meus valores, atendendo sempre às minhas necessidades emocionais.
- Eu sou a decisão certa.
- Eu sou o caminho.

22 de outubro de 2008

Lenda do galo que cantou a tempo


Lendas de Portugal de Gentil Marques
Em certas regiões do nosso país, existia o costume antigo de preparar um galo especialmente para cantar na chamada Missa da Meia Noite do dia de Natal...
Esse galo, escolhido entre os melhores de cada terra, gozava de grandes regalias, era tratado com requintes de cautela e tinha uma alimentação privilegiada.
Na pequena e pitoresca Vila Nova do Laranjal da freguesia e concelho de Ponte de Sor, havia também tal costume. E dava-se mesmo o galo a guardar ao homem melhor da terra.
Conta a lenda, já gasta pelas repetições da vida, que em certo ano se apresentaram ao Meirinho dois homens fortes e soberbos, disputando entre si o lugar de honra.
O primeiro que falou parecia não admitir dúvidas:
- Provo que sou o melhor! Perguntem nas redondezas... Investiguem a minha vida!
Mas o segundo não se intimidou. E também afirmou com absoluta convicção:
- Perdão, senhor Meirinho... O melhor sou eu. veja as esmolas que tenho espalhado durante o ano... o bem que eu faço aos outros.
Houve uma pausa. Depois, o primeiro dos dois homens voltou a acentuar, um tanto ironicamente:
- Será preferível investigar, senhor Meirinho!
Foi a vez do outro se exaltar. Fitando bem de frente o seu rival, perguntou num ar de desafio:
- Porquê? Alguém se atreve a contestar o que eu digo?
O Meirinho resolveu intervir, para não deixar azedar a questão. E, inclinando-se para ambos, disse na sua voz pausada e sentenciosa:
- Basta, senhores, basta!... Sou eu quem deve resolver o vosso caso... Eu, como meirinho desta terra!
Fazendo uma pausa propositada, a criar expectativa, o Meirinho perguntou depois, em tom arrastado e sem perder os dois homens de vista:
- Podem apresentar alguma testemunha das virtudes que apregoam?
Ambos o olharam e se entreolharam. Sorrindo, com desdém e superioridade, como quem tem a certeza antecipada da vitória.
- A menina do Laranjal!
Parecia de propósito. Tinham ambos dito, simultaneamente as mesmas palavras. Logo se fitaram furiosos. Foi a altura do Meirinho rir:
- Mas... como é isso possível? Então os senhores têm ambos a mesma testemunha? Expliquem-se, por favor!
O primeiro dos homens avançou:
- Senhor Meirinho, quero comunicar-lhe que a menina do Laranjal será em breve minha esposa... Pelo menos, penso declarar-lhe o meu amor...
O outro não se mexeu do lugar, mas retorquiu peremptoriamente:
- Impossível! É comigo que ela vai casar... Já lhe falei nisso e ela aceitou!
O Meirinho voltou a olhar para um e para outro.
- Não compreendo... Não compreendo...
E, de súbito, tomou a resolução mais adequada:
- Bem... Vamos chamar a própria menina do Laranjal!
Diz a lenda que a menina do Laranjal era, de facto, a jovem mais respeitada das cercanias. A mais respeitada e a mais querida.
Pensa-se até que a terra, toda ela, começara apenas pelo Laranjal. E, daí o nome que herdara para o futuro: Vila Nova do Laranjal. Por isso, a jovem simbolizava as tradições da própria terra.
Era órfã e vivia na companhia de uma senhora idosa a quem tratava por tia, mas cuja origem era desconhecida dos habitantes da terra. Misteriosa e estranha, a velha senhora não gozava da mínima simpatia. Todavia, pouco se importava com isso, porque dominava por completo a menina do Laranjal.
Quando a notícia chegou até elas, a jovem não escondeu o seu espanto.
- Mas... se eu nem sequer os conheço... Como poderei eu casar com um deles? E qual devo escolher?...
Aflita, buscou os conselhos da velha senhora:
- Dizei-me, minha tia, por favor... Qual deles hei-de escolher?
A velha senhora fungou uma risada:
- Ora, escolhei o melhor!
- O melhor?... E qual deles é o melhor?
Vagarosamente, a resposta da velha senhora fez-se ouvir.
- O melhor é aquele que for mais rico!
Depois, num ar de sabedoria, acrescentou:
- Compreendeis, não é verdade? Com dinheiro pode comprar-se o Mundo! Acreditai...
A menina do Laranjal, ingénua e simples como era, abanou a cabeça, num ar de tristeza:
- Não, não acredito, senhora minha tia!
E, num suspiro logo completou o seu próprio pensamento:
- Com dinheiro pode comprar-se o Mundo... Mas não se compra a felicidade!
A conversa ficou por aqui e o Meirinho esperava-as...
E os dois homens esperavam-nas, igualmente. Quando a menina do Laranjal e a velha senhora saíram à rua, ambos correram para elas.
O mais impulsivo, foi o que chegou primeiro junto da menina do Laranjal e pediu para lhe falar em particular, ao que ela acedeu sem saber o que fazer.
Mas o outro não se incomodou. Parecia até esperar que isso acontecesse. E enquanto o seu rival se declarava publicamente à menina do Laranjal, ele conversava em surdina com a velha senhora...
Por fim, seguiram todos o caminho do gabinete do Meirinho, que não escondia a sua impaciência por tanto ter de esperar...
Sentaram-se. O Meirinho olhou-os, um por um. Fixou depois o olhar na menina do Laranjal, que estava muito pálida e trémula.
- Dizei-me... Algum destes homens é vosso noivo?
Timidamente, ela respondeu:
- Só um deles me falou de amor...
- Qual?
O olhar da menina do Laranjal, procurou o homem impulsivo com quem falara. E a sua voz mal se ouviu:
- Aquele... além...
- Claro, senhor Meirinho! Até agora... só eu lhe falei de amor... Só eu me declarei apaixonado... Portanto, sou eu o seu noivo!
O outro reagiu com uma risada:
- A menina do Laranjal sabe lá o que é o amor... Ela nada resolve. Quem resolve é a senhora sua tia. E eu... Eu falei com a senhora sua tia e pedi a mão da menina do Laranjal, que me foi concedida. Sou eu, portanto, quem vai casar com ela. Não é verdade, senhor Meirinho?
Nesse ponto enganara-se. O Meirinho, segundo conta a lenda, além de Meirinho era também homem de coração e adorava a verdade.
Assim, ficou silencioso, por momentos, a meditar. E depois sentenciou:
- Tenho muita pena, meu caro senhor, mas a escolha está feita... O homem melhor da terra não pode mentir... E o senhor mentiu-me ao dizer que já falara de amor à menina do Laranjal... Ao passo que o seu rival foi sincero e verdadeiro... É ele, portanto, o melhor. Ele ficará com o galo!
Ergueu-se e fez sinal para que todos se erguessem. Depois, disse ainda num sorriso:
- Sim, ficará com o galo... E casará com a menina do Laranjal, se ela quiser.
E certamente queria, pensou o Meirinho antes de se retirar, porque o olhar que ela trocou com o seu preferido - era um olhar doce e meigo. Um olhar de amor.
O tempo correu sem que nada mais de especial se passasse. O homem escolhido como o melhor, tomara conta do galo e instalara-se já no próprio palacete de sua noiva, pois a esperança de amor estava prestes a concretizar-se em casamento...
A velha senhora que se dizia tia da menina do Laranjal parecia indiferente aos preparativos nupciais. Ausentava-se, às vezes, sem dizer nada. Porém, como era sempre estranha e misteriosa, ninguém lhe fazia perguntas.
Por seu lado, o homem vencido (mas não convencido) garantia aos amigos que não desistis. Havia apenas que aguardar os acontecimentos...
A menina do Laranjal e o seu eleito viviam um para o outro. Mal podiam adivinhar o que ia acontecer...
E aconteceu precisamente em vésperas de Natal!
A notícia caiu como bomba sobre a terra. Desaparecera o galo escolhido e guardado para a Missa da Meia-Noite!
Era o pior que podia acontecer àquela gente. Tocaram os sinos a rebate, o tumulto foi enorme e o Meirinho viu-se obrigado a tomar imediatas providências, mandando prender sem hesitação, o responsável pela existência do galo.
De nada serviam as lágrimas suplicantes da menina do Laranjal. Nem os protestos do melhor homem da terra. Nem as juras de inocência que ambos fizeram.
Perante a ira da multidão, o Meirinho só podia prometer:
- Justiça será feita!
E apontava o presumível culpado, o qual apenas sabia repetir a mesma confissão dorida e frágil:
- Juro que estou inocente!
Mas o meirinho parecia inflexível:
- Só uma coisa te poderá salvar: revela-nos onde está o galo!
Entretanto, no meio da multidão o outro homem esfregava as mãos de contentamento.
- Eu bem dizia... Pois dêem-lhe o castigo que merece!
E, de facto, tudo se começou a preparar para esse castigo, conforma narra a antiga lenda. Nesse tempo, a morte pela forca era a mais afrontosa. E o Meirinho ordenou que preparassem a forca para a própria noite de Natal. O castigo serviria de exemplo para sempre...
O prisioneiro, esperou pela sua última noite - a noite de Natal.
Que podia ele fazer? Já não tinha lágrimas para chorar, já não tinha pensamentos para pensar. Restava-lhe somente a consolação que lhe dava a menina do Laranjal, agora perdida de amor por ele e também por amor dele perdida...
E foi na tarde do derradeiro dia que o homem, já na agonia das suas esperanças, teve uma ideia que nunca o visitara. Se falhasse, nada mais havia a esperar...
Ao contrário do que poderia supor, a menina do Laranjal encontrou-o mais calmo:
- Que se passa contigo?
- Ainda confio...
- Mas já nada é possível... Faltam apenas poucas horas... só um milagre de Deus!
- Eu espero por esse milagre! Hoje é o dia em que nasceu Jesus... não deixará morrer um inocente!
E mostrava tanta confiança na voz e no semblante, que a menina do Laranjal também se sentiu um pouco mais reconfortada.
Chegou a noite. Nunca se vira uma noite de Natal semelhante a essa. A forca erguia-se, sombria e fúnebre, diante da igreja toda iluminada.
E, como era da lei, o Meirinho permitiu que o condenado formulasse o seu último desejo.
Serena, a voz do homem ergueu-se diante da curiosidade dos que o escutavam:
- Peço à menina do Laranjal e à senhora sua tia que subam à torre da igreja. Quero vê-las lá bem no alto... antes de morrer!
Imediatamente, o desejo foi satisfeito. Trémula, nervosa, a menina do Laranjal, sempre acompanhada, embora de má vontade, pela senhora sua tia, subiu lentamente ao ponto mais alto da torre da igrejinha bonita, enquanto cá em baixo se faziam os preparativos para a execução do castigo.
E, de súbito, no meio do silêncio impressionante que se fizera ouviu-se, com verdadeiro espanto, o galo cantar. Uma. Duas vezes. Três vezes.. E o homem que estava prestes a morrer na forca gritou emocionado:
- O galo vê-as! O galo vê-as!
Foi um assombro. Muitos correram para o local donde viera esse canto inesperado. E, daí a pouco voltavam triunfantes, trazendo o galo que estivera escondido no quintal do outro pretendente.
O homem que se salvara da forca contou então, a ideia que tivera. Lembrara-se que sempre o galo cantava quando via a menina do Laranjal e a senhora sua tia. E pensou fazer a experiência derradeira. Se o galo estivesse na vila e visse a menina do laranjal e a senhora sua tia no alto da torre havia certamente de cantar. E cantara, de facto!
Acrescenta a lenda velhinha que ninguém mais soube do outro homem nem da velha senhora que se dizia tia da menina do Laranjal. Desapareceram por completo, nessa mesma noite...
Em breve o Homem Bom, como agora lhe chamavam, e a menina do Laranjal casaram.
para eles fora o Menino Jesus que fizera o milagre... E o grito do homem "O galo vê-as! O galo vê-as!" ficou perdurando na tradição, de tal modo que o nome da terra deixou de ser Vila Nova do Laranjal para passar a sr, como hoje ainda é, GALVEIAS - a bonita e pitoresca vila do concelho de Ponte de Sor.
E diz-se, igualmente, que vem desse tempo e desta história a tão pitoresca expressão popular "cantaste a tempo", inspirada precisamente pelo galo que, na verdade, cantara a tempo.

20 de outubro de 2008

Lenda dos Estremoços

Lendas de Portugal de Gentil Marques
O sol, um sol quente, abrasador, caía implacável sobre o carro onde viajavam um homem, uma mulher e uma criança. Este grupo vinha de longe, dos contrafortes da serra. Ódios políticos tinham atirado esta família para a estrada sem fim. O calor apertava. A sede torturava-os. O pó punha-lhes a boca gretada e a língua áspera. Precisavam descansar, fugir ao sol desta planície imensa que ficava para além do rio Tejo.
De súbito apareceu uma sombra larga, acolhedora, como um oásis no deserto. O homem refreou o andamento dos cavalos que puxavam a carruagem. Gritou contente para a mulher:
- Olha que árvore! Que bela! Que majestosa!
A mulher concordou:
- É das mais belas que tenho visto!
Curiosa, a pequenita filha do casal perguntou logo:
- Mãezinha, como se chama esta árvore?
Foi o pai quem respondeu:
- Creio que é um tremoceiro!. Não tem, aparentemente, grande importância... Mas a verdade é que oferece uma sombra bem acolhedora!
A criança olhou os pais. E arriscou:
- E se ficássemos aqui? Já estou tão cansada... e com tanto calor...
O homem sorriu:
- Tens razão minha filha! Vamos ficar por aqui... Pelo menos estaremos à nossa vontade, livres de inimigos e de más vizinhanças... Vamos! É necessário levantarmos a nossa tenda de campanha, antes que anoiteça.
A pequenita pulou imediatamente para o solo. Na sua imaginação aquela sombra era o Paraíso...
- Eu também quero ajudar! Vai ser tão bom... Não teremos que voltar a andar de carro por estes caminhos com tanto sol e tanta poeira!...
O homem desceu também, acariciou a cabeça da filha e olhou em redor. Lentamente. Atentamente.
- Isto é grande! Mas não vejo ninguém... Tanto melhor!
E, na manhã seguinte, quando o Sol veio dar os bons dias ao tremoceiro, encontrou erguida uma barraca de campanha, como que a proclamar a independência dos foragidos naquela terra de liberdade...
Porém, uma visita inesperada surgiu também, aos primeiros clarões do Sol. Era um velho forte e autoritário, arrimado a um grosso bordão. Havia cólera na sua voz ao interpelar os recém-chegados:
- Com que direito entrastes nos meus domínios?
O outro homem sentiu-se ofendido com aquele tom e indagou com altivez:
- E quem sois vós para me fazerdes semelhante pergunta?
O velho bateu com o bordão na terra:
- Sou o dono de tudo isto... de todo o plaino... Do tremoceiro, que plantei por minhas mãos... das árvores que há em redor...
- E nós somos viandantes... ou para melhor dizer: perseguidos injustamente por delitos que não cometemos...
O velho resmungou, num ar de suspeita:
- Talvez assassinos... ou ladrões...
Desta vez, com grande espanto do próprio velho, foi a criança que o interrompeu, numa vozita indignada:
- Senhor! Estais a insultar meus pais e eu não poderei admitir-vos...
O senhor daquela terra sorriu irónico, mas a sua voz perdeu o tom colérico:
- O quê? A formiga já tem catarro? Era o que faltava... uma fedelha a atravessar-se no meu caminho!
O viandante curvou-se:
- É uma criança que fala pela voz da verdade! Não tendes o direito de nos insultar!
Então, a cólera voltou a apossar-se do velho. A sua expressão tornou-se dura:
- Fora daqui! Ouvis bem? Fora daqui! Não vos quero ver mais nos meus domínios!... Saíreis a bem... ou à força!
Altivo, o homem que viera de longe retorquiu:
- Pois já que nos ameaçais... dir-vos-ei que só à força sairemos... se tiverdes poder para isso!
O grosso bordão do velho bateu com mais vigor ainda na terra.
- Já que assim o quereis... assim o tereis! Os meus homens não tardarão a expulsar-vos!
E, ditas estas palavras, ele voltou costas, meteu-se na velha carroça que o esperava - e abalou...
Mas, pouco tempo depois, voltou com muitos homens armados. A família que viera de longe e acampara ali para encontrar paz e descanso recolheu apressadamente à sua carruagem. A vida estava em perigo e era necessário, mais uma vez, defendê-la.
Com voz cansada e triste, a pobre mãe murmurou numa queixa:
- Meu Deus! Porque somos tão perseguidos? Não fizemos mal algum e todos nos odeiam! Porquê, meu Deus?... Porquê?
Mas já o marido lhe recomendava enérgico:
- Defende tu aí essa entrada... Eu ficarei aqui a aguentá-los! Não se dirá que um fidalgo como eu se rendeu pela força...
Um grito abafado veio cortar-lhe o pensamento. Ele olhou a mulher que mostrava uma expressão apavorada.
- A nossa filha?... A nossa filha onde está, que não a vejo?
Ele inquietou-se:
- Mas... vi-a há pouco, junto de ti!
- Sim... enquanto estávamos descansando... Mas agora... Agora não sei dela!...
O homem rangeu os dentes:
- Ah, miseráveis! Se derramaram uma gota de sangue que seja da minha filha, hão-de pagar-mo bem caro!
Entretanto, indiferente ao perigo, a criança tinha atravessado por entre os homens armados e avançara, devagar, como um pequeno gato, ao encontro do velho chefe. Quando este a viu perguntou, espantado:
- Tu? Aqui? Como ousaste?
A pequenina sorriu com candura:
- Com a ajuda de Deus, meu senhor... Preciso falar-vos!
- Falar comigo?
Havia desconfiança na voz do velho.
- Ah! Não será uma armadilha?
A rapariguinha abriu os olhos num espanto. Num espanto e num sorriso.
- Armadilha? Oh... Não! Não poderia fazer-vos mal... Sou tão pequena ainda...
O velho pareceu cair em si. Franziu as espessas sobrancelhas esbranquiçadas e a sua voz soou melhor aos ouvidos da menina:
- Perdoa-me! Tens razão! Portei-me agora com insensatez. Diz lá o que pretendes...
Ela mostrou-se alegre.
- Sabei, senhor... que estive a pensar numa coisa!...
- Tu... a pensar? E que foi?
- Ora... Pensei que em volta de uma árvore tão bonita como aquele tremoceiro podia construir-se uma povoação também bonita e grande... capaz de causar inveja às outras povoações...
Foi a vez do velho sorrir à criança.
- Não é mal pensado! Mas como havemos de a construir?
- Com boa amizade e paz.
O velho repetiu as mesmas palavras. Pensativo. Como num eco do seu próprio pensamento.
Então a pequenita prosseguiu com entusiasmo, vendo que a luta se mantinha suspensa, esperando ordem de ataque.
- Sabei que meu pai é um grande construtor. A minha mãe ajuda-o em tudo... Se o senhor quisesse... eles poderiam construir aqui uma cidade, dirigindo e aproveitando o trabalho dos seus homens..O velho olhava-a espantado. Meneava a cabeça como que duvidando do que ouvia.
- Ora esta! Uma catraia como tu... com uma ideia tão grande! Donde te veio semelhante pensamento?
Ela sorriu, ingénua.
- Foi Deus Nosso Senhor quem mo deu!
Houve um momento de silêncio, em que o olhar do velho ficou a perder-se no vasto horizonte. depois, tomado de súbita energia, gritou para os seus homens:
- basta! Pensei melhor e não atacaremos... Podem retirar-se. daqui em diante todos seremos bons amigos e companheiros!
E nesse mesmo dia, com grande júbilo do casal foragido - que voltara a ter junto de si a filhinha adorada mas ignorava ainda tudo quanto se havia passado - o velho chefe procurou o marido e a mulher. Porém, desta vez chegou sorrindo:
- Venho em missão de paz e amizade!
A mulher respondeu-lhe, já com voz serena:
- Sede bem-vindo, senhor!
Afável, também, o homem que viera de longe quis demonstrar o seu desejo de confraternização.
- Tomai um pouco de sombra do tremoceiro!
O velho acrescentou intencionalmente:
- Do "nosso" tremoceiro - quereis dizer!
- Como?
- De hoje em diante, o tremoceiro pertencerá a todos nós... Sei que sois um grande construtor e vós, senhora, extraordinária ajudante...
o homem interrompeu-o perplexo:
- O quê?... Decerto estais enganado, senhor! Fui, sou e serei unicamente um fidalgo... E esta é a minha esposa, à face de Deus e dos homens!
- Mas... a vossa filha disse-me...
Houve um leve sorriso nas expressões do casal.
- Compreendo agora, senhor! A nossa filha tem uma imaginação prodigiosa e vós... acreditastes...
O velho olhou a criança. Ela encolheu-se um pouco entre envergonhada e receosa...
- Uma fedelha destas a enganar um velho como eu! Mal posso acreditar...
Mas a sua voz tinha um tom bonacheirão. Cheirava a simpatia. E a pequena ladina pareceu ficar logo mais à vontade. Segurou carinhosamente nas mãos do velho e falou devagar, espiando as reacções dele:
- Oh, meu Senhor... eu não vos enganei... Reparai no que vos disse: Com o auxílio de todos poderemos construir uma grande povoação à volta do tremoceiro... Pois não é verdade?
O velho voltou a sorrir.
- Tens razão... O que é preciso é haver boa amizade e paz! 
E sublinhou, puxando-a para si com ternura:
- Hoje mesmo começaremos a construir a nossa terra!
Dentro em breve, o sonho da rapariguita começou a transformar-se em realidade. Com a ajuda de todos, trabalhando esforçadamente de sol a sol, a povoação ia criando as suas primeiras casas e a sua primeira rua.
Agora sim, graças à esperteza e à iniciativa da filhinha, o casal foragido sentiu que conquistara, de novo, a felicidade.
E a estimular ainda mais os infatigáveis obreiros da nova povoação o velho chefe voltou alvoroçado duma das suas viagens habituais.
- Escutai, amigos! Escutai! Boa nova para todos nós! El-rei D. Afonso III acedeu a dar foral à nossa terra!
Foi uma alegria. Houve abraços e beijos. Vivas e palmas. Dançou-se e cantou-se, como se todos fossem irmãos
Depois, o velho chefe reuniu-os de novo e falou solenemente:
- Temos de dar um nome à nossa terra... Um nome bonito, sonante, que fique para a posteridade... Qual deve ser esse nome?
As opiniões começaram logo a dividir-se. cada um dava a sua ideia. E a ideia de cada um era sempre melhor do que as ideias dos outros... Depressa se estabeleceu a barafunda, até que o velho chefe, com a sua autoridade incontestada, resolveu intervir:
- Calai-vos! Assim nada conseguiremos. A mim parece-me que só há aqui uma pessoa capaz de nos indicar um nome bonito... Sabeis a quem me refiro, com certeza. A ela devemos a ideia feliz da fundação da nossa terra. Pois que nos dê também um nome para ela.
Todos se voltaram para a rapariguita. De acordo. Esperando. Um pouco intimidade por tão grave responsabilidade, mas sempre sorrindo, como fazia nas ocasiões de perigo, a menina avançou por entre os homens e as mulheres que a olhavam ansiosamente e falou. Falou sem tremer a voz. falou como se estivesse a repetir uma lição já decorada:
- Bem... Se desejam que seja eu a dar o nome à nossa terra... parece-me que o melhor é por-lhe um nome que lembre aquela árvore a que devemos tão boa sombra... Foi a única que sempre aqui nos acompanhou, tal como o Sol e como a Lua... Eu acho portanto que a nossa terra se deve chamar Estremoços! 
Houve um momento de pasmo. E de silêncio. A rapariguita falara tão bem, tão bem que estavam todos maravilhados.
E foi afinal o velho chefe quem tomou a palavra em nome de todos:
- Muito bem!... A garota falou como uma pequena sábia... Na verdade, devemos dar à terra o nome do fruto abençoado que tanto nos ajudou. Os estremoços foram o pão nosso de cada dia... Pois também nós seremos sempre leais aos bons estremoços!
 E a terra ficou a chamar-se Estremoços - ou, melhor ainda, a Terra dos Estremoçoa, como então se designava em linguagem popular os tremoços de hoje... E o seu brasão inicial compôs-se precisamente de um tremoceiro, tendo por cima o escudo das quinas e em redor o Sol e a Lua... a perpetuar assim pelos séculos fora as palavras daquela garota de imaginação prodigiosa que falara, de facto, como uma menina sábia...
Depois, com o decorrer dos tempos, tudo se foi alterando... o nome dos estremoços passou a ser apenas tremoços... E a Terra dos Estremoços acabou por se transformar na cidade de ESTREMOZ que se ergue hoje, altaneira, em pleno distrito de Évora, como uma sentinela do Alentejo.

NOTA:- Embora eu saiba que o tremoceiro seja um arbusto de pequeno porte e, durante toda a história não se diga a idade da menina, acho que ela era um bocado desembaraçada para meu gosto no entanto, lenda é lenda e nas lendas tudo é possível.
E agora, como diria a minha neta:
Vitória! Vitória! Acabou-se a história...

12 de outubro de 2008

V- O Papa

Esta carta representa o Papa, também chamado Sumo Sacerdote ou Hierofante e pertence ao baralho de tarot Original Rider Waite feito por A.E. Waite e Pamela Colman-Smith e editado pela US Games em 1999.
Este trunfo indica, principalmente, uma educação e uma tradição onde existe um conjunto de crenças que têm que ser aprendidas e aceites pelos acólitos antes de poderem atravessar a entrada.
Esta carta muitas vezes também designada por Hierofante pode chamar a atenção para o fenómeno moderno de uma espécie de misticismo que vai buscar inspiração em todas as religiões, assim vai-se encarando a religião como uma experiência e não como uma explicação do Universo.
Numa leitura, esta carta poderá significar igrejas, doutrinas e educação em geral. Psicologicamente ela pode indicar ortodoxia, conformidade com as ideias da sociedade e códigos de comportamento, como também mais subtilmente, uma desistência da responsabilidade. O Imperador significa as próprias regras e seus executores oficiais, o Hierofante indica o nosso sentido íntimo de obediência.
Também com o Hierofante devemos falar no mundo da fé e da profunda confiança resultante da certeza da fé. Devemos falar ainda do caminho da ética e da virtude e dos propósitos pessoais que nascem dos nossos valores morais.
Exercício de meditação :- Pode usar este exercício para favorecer o seu relacionamento.
Comece por se sentar numa posição confortável, coloque a carta O Papa à sua frente e tente visualizá-la bem. Saiba que os conceitos gerais da carta são: continuidade, sinceridade, fidelidade, tranquilidade... Feche os olhos, coloque as mãos voltadas para cima descontraidamente sobre o colo ou joelhos, respire e expire profundamente. Medite sobre o seu relacionamento pessoal ou profissional que requeira a sua atenção e no qual gostaria de fazer mudanças ou simplesmente melhorar. Pense em todos os pontos: se está à procura de um relacionamento, pense como gostaria que fosse essa pessoa e peça a Deus, numa oração interior que a coloque no seu caminho.
Respire fundo e sinta todo o seu corpo a relaxar. Está num jardim muito bonito e à sua frente está uma igreja. Caminhe para lá, abra a cortina que o/a separa da entrada da igreja. veja, ao fundo está o Papa sentado no seu trono. Vá ao encontro dele.
Imagine o papa diante de si, veja-o com todos os pormenores: as vestes papais, a tiara, o ceptro de três cruzes. Aproxime-se e ajoelhe-se aos seus pés. Sinta a bondade, a doçura e a harmonia que vêm deste homem. Deixe-se envolver por estes bons sentimentos, fale-lhe sobre o que o/a incomoda neste momento ou simplesmente o que deseja que aconteça na sua vida. Ouça as palavras que ele tem reservadas para si com atenção. O Papa é o detentor da sabedoria divina, pois é o representante de Deus e Deus deseja que seja muito, muito feliz.
O Papa coloca agora a sua mão direita sobre o seu coração e dele sai uma luz rosa. É a luz do amor, da compaixão e da harmonia, deixe-a entrar no seu coração, receba-a como uma oferta de amor divino. Esta luz no seu coração vai ajudá-lo/a nos seus relacionamentos diários, estará mais confiante, falará com mais amor, estará mais receptiva a receber todo o amor, amizade e respeito que merece. Pode levantar-se. Agradeça ao papa por o/a receber e abençoar. Volte, passe pela igreja, feche a cortina e saia de novo para o jardim. Respire profundamente e aos poucos vá desfazendo esta imagem mental, saia do relaxamento.
Afirmações (conselhos) para o Papa:
- Deixo que a minha luz interior se manifeste e me guie com sabedoria e compaixão.
- Eu sou a inteligência.
- Eu sou a prudência.
- Eu sou o equilíbrio.
- Eu sou o poder da comunicação.