21 de novembro de 2007

Pensamentos quotidianos



Na minha mesa de cabeceira tenho um livro de pensamentos de Omraam Mikhaël Aïvanhov (para quem não saiba, é um filósofo e pedagogo francês de origem búlgara que viveu entre 1900 e 1986. Foi para França em 1937).


Este livro tem a particularidade de ter um pensamento para cada dia do ano.Como é meu hábito, de manhã, ao levantar, fui ver qual era o pensamento para hoje:


"Um Mestre recebeu, um dia, a visita de um jovem que queria tornar-se seu discípulo. O ensinamento começou e, na primeira lição, o Mestre disse ao discípulo: Vai ao cemitério e insulta os mortos; ouve bem o que eles te responderem e vem dizer-me.


O rapaz foi ao cemitério e começou a passear por entre os túmulos, proferindo injúrias abomináveis... nunca os mortos de um cemitério tinham ouvido coisa assim! Pouco depois, sem saber já que mais dizer, ele parou para escutar a resposta: nada.


Ao regressar para junto do Mestre, ele viu-se obrigado a dizer que os mortos não tinham reagido. "Ah! - disse o Mestre - Talvez tenham ficado ofendidos. Vais voltar lá, mas, desta vez, vais elogiá-los, talvez eles se decidam a responder-te".


O rapaz voltou ao cemitério, mudou de tom, e fez aos mortos os mais rasgados elogios... Nada, um completo silêncio.


Verdadeiramente desiludido, o rapaz voltou para junto do Mestre: Eles continuaram a não me responder.


Então, disse o Mestre, aprende que deves ser como eles: quer te critiquem, quer te elogiem, isso não deve afectar-te, não respondas".


Nesta altura, ao terminar a minha leitura matinal, sorri, e lembrei-me, por contraste, da nossa Assembleia e dos debates televisivos.

15 de novembro de 2007

Cérebro


Realmente o nosso cérebro é uma máquina fantástica, se calhar por isso é que nós, às vezes, temos grande prazer em enganá-lo como se vê nesta imagem que não é mais que uma pintura no chão. Mas agora reparem neste estudo que me mandou o meu amigo Afonso, a quem desde já agradeço:


De aorcdo com uma peqsiusa de uma uinrvesriddae ignlsea,

não ipomtra em qaul odrem as Lteras de uma plravaa etãso,

a úncia csioa iprotmatne é que a piremria e útmlia Lteras etejasm no lgaur crteo.

O rseto pdoe ser uma bçguana ttaol,

que vcoê anida pdoe ler sem pobrlmea.

Itso é poqrue nós não lmeos cdaa Ltera isladoa,

mas a plravaa cmoo um tdoo.


Sohw de bloa


Fixe seus olhos no texto abaixo e deixe que a sua mente leia corretamente o que está escrito.


35T3 P3QU3N0 T3XTO

53RV3 4P3N45 P4R4 M05TR4R

COMO NO554 C4B3Ç4 CONS3GU3

F4Z3R CO1545 1MPR3551ON4ANT35!

R3P4R3 N155O!

NO COM3ÇO 35T4V4 M310 COMPL1C4DO,

M45 N3ST4 L1NH4 SU4 M3NT3 V41 D3C1FR4NDO O CÓD1GO

QU453 4UTOM4T1C4M3NT3, S3M PR3C1S4R P3N54R MU1TO, C3RTO?

POD3 F1C4R B3M ORGULHO5O D155O!

SU4 C4P4C1D4D3 M3R3C3!

P4R4BÉN5!


Segundo a pesquisa, SETENTA E SEIS POR CENTO da população brasileira entre 16 e 65 anos não consegue entender realmente o que lê. Portanto, se vocês conseguiram ler o texto acima, estão entre o seleto grupo que dominam a leitura.

Parabéns!

4 de novembro de 2007

Graças a Deus sou ateu


O título desta mensagem é uma frase que o meu pai costumava usar muitas vezes e que, embora me fizesse sorrir deixava-me a pensar. Ele dizia que gostava desta frase porque as pessoas que tinha tido oportunidade de conhecer na vida e que pertenciam a diferentes religiões, aquilo depois de bem visto, acabavam todos a dizer a mesma coisa.

Achei imensa graça quando, no outro dia acabei de ler o livro de Brian L. Weiss chamado "A divina sabedoria dos Mestres" e deparei com uma anexo intitulado "Valores espirituais partilhados" que dizia o seguinte:

"Passo a apresentar algumas passagens das sagradas escrituras de algumas das grandes religiões mundiais. Estas citações demonstram que, quando se transcendem os rituais de superfície e se atingem os tesouros espirituais que lhes são subjacentes, na realidade existe apenas uma só religião. Nesta secção sobre a unidade de todas as grandes religiões, beneficiei muitíssimo do livro maravilhoso Oneness: Great Principles Shared by All Religions, de Jeffrey Moses.


Responsabilidade pelas nossas acções


Budismo - É uma regra da natureza que aquilo que semearmos será aquilo que iremos colher.

Cristianismo - Aquilo que um homem semear é aquilo que ele irá colher... Deus retribuirá a cada homem de acordo com as suas acções.

Hinduísmo - Não colherás aquilo que não semeares; do mesmo modo, se plantares a árvore, ela crescerá

Judaísmo - O homem generoso será enriquecido e aquele que rega será ele também regado.


Capacidade de perdoar


Budismo - O ódio nunca é diminuído pelo ódio. O ódio só diminui com o amor - Esta é uma lei eterna.

Cristianismo - Se perdoares aos outros as ofensas que te fizerem, o teu Pai celeste também te perdoará a ti; mas se não perdoares aos outros, então as ofensas por ti cometidas não te serão perdoadas pelo Pai... "Senhor, quantas vezes me ofenderá o meu irmão e eu terei de perdoá-lo? Sete vezes? E Jesus respondeu-lhe: "Eu não digo sete vezes mas setenta vezes sete".

Hinduísmo - As pessoas de mente nobre dedicam-se à promoção da paz e da alegria dos outros - mesmo daqueles que os magoam.

Islamismo - Perdoa o teu servo setenta vezes por dia.

Judaísmo - A coisa mais maravilhosa que um homem pode fazer é perdoar o mal.

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A regra de ouro


Budismo - Não magoes os outros com aquilo que te faz sofrer.

Aquele que está cheio de amor por todas as coisas do mundo, que pratica a virtude para beneficiar os outros, somente este homem estará feliz.

Não julgues o teu próximo.

Cristianismo - Não julgues e não serás julgado... trata sempre os outros do modo como gostarias que eles te tratassem; esta é a Lei e os profetas... O portão que conduz à vida é pequeno e a estrada é estreita.

Hinduísmo - Este é o resumo de toda a verdadeira rectidão - Trata os outros, como gostarias de ser tratado.

Nada faças ao teu próximo que depois não queiras que ele te faça a ti.

O homem obtém uma regra de acção correcta se olhar para o próximo como para si próprio.

Islamismo - Faz aos outros aquilo que gostavas que te fizessem a ti; e rejeita para os outros tudo aquilo que rejeitarias para ti.

Judaísmo - Não faças ao teu próximo aquilo que te é prejudicial. Isto é a essência do Tora e o remanescente são apenas comentários.

Não julgues o teu próximo enquanto não estiveres no seu lugar.

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Eu acho que não é preciso continuar.... Como se vê todos dizem coisas muito semelhantes mas, para mim, ainda continua a ser muito importante a sabedoria popular: "Bem prega Frei Tomás, faz o que ele diz mas não faças o que ele faz."

1 de novembro de 2007

João


Algures, num monte alentejano, num dia chuvoso de Novembro, nasceu um mocetão belo e forte, no meio de uma família convencional.
A chegada desta criança era muito desejada. Os pais, moços novos e ainda apaixonados, viram naquele rapaz a bênção do seu casamento. Era um casal de uma simplicidade extrema e talvez por isso e por outras qualida­des que o parzinho apresentava, foi um casamento visto com muito cari­nho, por toda a gente.
Com a chegada do João (foi assim que os pais resolveram chamar-lhe) toda a gente que já via aquele casal com um certo carinho viu esse carinho ser aumentado com aquele nascimento.
Tanta ternura, tanto carinho, tanta devoção, tanto medo de errar em qualquer coisa que pudesse vir a prejudicar a saúde do seu rebento. Mas não, tudo correu bem e, com o andar dos anos, foi surgindo, rodeado do carinho da família e de mais alguns irmãos, um rapazote traquinas, muito curioso, muito perguntador, querendo saber e perceber tudo o que o rodeava.
Chegou o tempo de ir para a escola e o nosso amigo João, pela mão da mãe, lá foi conhecer a D. Maria do Rosário, sua professora.
Lá no fundo, no fundo daquele coração pequenino, estava um medo curi­oso para conhecer o que lhe iria surgir pela frente e, com muita estra­nheza da mãe, o seu João lá ia, por aquele caminho, muito calado, an­dando sem pressa, o que não era nada seu hábito mas, ao mesmo tempo, no­tava-se a ansiedade por chegar.
Pelo caminho, foi encontrando crianças da terra com quem costumava brincar. Uns sozinhos, mais crescidos, de passada segura e olhar feliz, ou­tros, mais pequenitos, acompanhados por al­guém da família mas, só o facto de ver esta gente que já era sua conhecida foi tendo o dom de o acalmar.
Entrou na sua sala. Viu já sentados alguns amigos seus o que fez com que se sentisse mais seguro mas depois, encarou com uma senhora, mais ou menos da idade de sua mãe, com um sor­riso aberto e franco e olhar doce que, ao vê-lo entrar, lhe fez uma festa na cabeça e lhe disse com uma voz suave e carinhosa:
- Bom dia, João. Então, gostas da casa onde vais ouvir e contar coisas muito bonitas? Ela, por enquanto, ainda tem umas paredes muito vazias mas, quando tu e os teus companheiros come­çarem a trabalhar, tu vais ver como a sala vai ficar alegre e muito mais bonita, com estas paredes todas cobertas de lindos desenhos de muitas cores que os vossos lápis e canetas tra­zem guardados lá dentro e que nós, a pouco e pouco, vamos deixando sair cá para fora.
O João sorriu mas não disse nada. Sentou-se junto de um companheiro que já conhecia. Alguns meninos, na sala, estavam a chorar e a profes­sora tinha pedido às mães para se deixarem ficar junto deles, mais um pouco. A mãe do João ficou a falar com a professora. O João percebeu que estavam a falar dele, só não percebeu o quê.
Aquele ano foi passado e a ida para a escola tornou-se rotina. Os meninos que, a princípio, cho­ravam, deixaram de chorar pois além de já terem feito mais amizades, já viam na professora uma pessoa amiga, sempre pronta a ajudá-los, que contava histórias maravilhosas e ao pé de quem se sentiam muito confortáveis.
O primeiro a fazer anos naquela sala foi o João. A mãe, sem ele saber, tinha levado para a es­cola um bolo de anos para, à hora do intervalo, com os companheiros e a professora, cantarem os parabéns a você. Que ale­gria quando se apercebeu da surpresa que lhe tinham preparado.
O tempo foi passando, o João foi crescendo e, por ser inteligente e es­perto também era muito irrequieto e curioso, sempre a perguntar, sempre a querer saber mais um pormenor que não tinha entendido. A professora, às vezes, enervava-se porque queria despachar a matéria que era obri­gada a dar mas, ao mesmo tempo, também pensava que era uma pena não satisfazer toda aquela curiosidade que, bem medidas as coisas, acabava por trazer as suas vantagens pois ele ficava satisfeito e mais sos­segado e os outros acabavam por ouvir falar de certos assuntos que ela, se calhar, de outra maneira, nem de tal coisa se lembraria.
O João lá acabou a escola e o rapazito que ele era quando para lá entrou, transformou-se num belo moço que se preparava para ir para o liceu que ficasse mais perto. A partir daí começou o desassossego em casa daque­les pais. O telefone não parava com gente a perguntar por ele. Ele não pa­rava porque tinha sempre o grupo com quem se juntava, quer para es­tudar, quer para se divertir. A mãe ficava muito preocupada e dizia ao pai que não sabia como é que ele tinha tempo para estudar, nem ocasião pois nunca o via pegar num livro. O pai, homem muito calado mas muito ob­servador, só perguntava: - Mas os resultados não têm sido bons? O rapaz não tem pas­sado sempre? Não tem trazido boas notas? Então não te pre­ocupes...
E era verdade, os anos de liceu estavam a ser ultrapassados sem dificul­dades. Até que um dia, já com os seus dezasseis anos, reparou com mais atenção numa moça que seguia o mesmo cami­nho que ele mas, para o liceu de raparigas que também ficava ali perto. Começou a fixar os dias em que a via pois isso queria dizer que o horário coincidia e, num desses dias, encheu-se de cora­gem e resolveu começar a falar com ela. A conversa, ao princípio era muito banal mas, a pouco e pouco o à vontade foi aumentando e começou a nascer uma simpatia que o João não sabia explicar.
Ansiava os dias em que se podiam encontrar e, nesses dias, ansiava a hora a que estavam jun­tos. Adorava ouvi-la conversar, adorava as suas gargalhadas e aquela carinha trigueira então, quando sorria, nem é bom falar. O João não entendia o que se estava a passar com ele, até que um dia, fez-se luz. Estava apaixonado.
Desde pequeno que o João sempre disse que queria ser médico. O fim do liceu aproximava-se e a vontade de ser médico não tinha desaparecido, aquilo com que ele não tinha contado era com a paixão e com a ideia de ter que vir para Lisboa e deixar a sua namorada na terra.
Os primeiros tempos na cidade foram difíceis, embora estivesse em casa de pessoas de família que o tinham recebido de braços abertos, era com muita ansiedade que aguardava o seu fim de semana para ir à sua terra matar saudades da namorada. Durante a semana, a princípio, era uma carta todos os dias e havia sempre coisas para dizer. Depois, o curso foi-se complicando, as épo­cas de exames foram-se aproximando e houve ne­cessidade de alguns fins de semana, em vésperas de exames, ficar em Lisboa.
As cartas que esperava com ansiedade começaram a espaçar-se e, numas férias, já nos últimos anos de curso, para grande espanto seu, a sua na­morada, em quem tinha investido tanta fé e carinho, comunicou-lhe que era muito sua amiga mas que, para casar preferia um rapaz lá da terra por quem se tinha apaixonado, durante as longas ausências do João. Ele não soube explicar o que sentiu porque nem ele próprio o entendeu. Só sabia que era uma dor muito funda misturada com uma revolta muito grande. E, nesse último ano de medicina, as férias foram mais curtas porque o João quis voltar mais cedo para Lisboa.
Não queria ficar ali tão perto dela, não conseguia arrumar seus pensa­mentos e o João, alegre e bom companheiro voltou para a cidade com um ar triste e muita sede de vingança.
Vingar-se em quê e em quem? Não havia nada a fazer, a decisão estava tomada e sem o acordo dos dois era impossível, então, vingou-se nele próprio. Durante o dia, as aulas e, durante a noite, juntava-se com meia dúzia de amigos e "era até dar". A cabeça precisava de estar cansada, pelo menos ocupada.
O tempo passou, o curso acabou e o João cansou-se de toda aquela vida nocturna e vazia. A situação que tinha vivido e que tinha tocado fundo na sua vida sentimental tornou-o frio e des­confiado.. Até que um dia, nos anos de um amigo, conheceu uma moça bonita e de conversa muito agra­dável que enterneceu aquele coração que ele pensava que já não voltaria a bater com tanta força.
A moça era simpática, agradável, meiga e começaram a encontrar-se. Ha­via sempre pontos inte­ressantes de conversa. Começaram a descobrir-se muitos pontos comuns e começou-se a sentir necessidade de estarem mais tempo juntos.
O João enterneceu-se com tanta doçura e resolveu casar-se. A vida era feliz, o João alegre e brincalhão voltou, satisfeito com a mulher que tinha ao lado.
Um dia, quando chegou a casa, depois de um dia trabalhoso e cheio de ca­lor, tinha uma surpresa à sua espera. Aquela mulher de quem ele tanto gostava deu-lhe a notícia que estava confirmado vir um bebé a caminho.
Um herdeiro, que orgulho, que alegria! Ele, que era obstetra chegou, na­quele momento à conclusão que não sabia o que havia de fazer. Nada da­quilo que sabia. Porquê? Já tinha assistido ao nasci­mento de tanto bebé porque é que estava tão baralhado agora que era mais necessário estar lúcido? Aquele filho era seu. Não conseguia separar sentimento e emoção de racionalidade e agora, a emoção era tanta e a alegria também que não conseguia pensar o que fazer. Pediu a ajuda de um colega da sua confi­ança e chegou o dia em que o seu bebé nasceu. Um rapaz lindo e robusto, saudável e que fez com que, da sua cabeça saíssem mil e uma preocupa­ções.
A roda da vida voltava a rodar, mas rodava sempre sem sair do mesmo sítio. O ciclo repete-se, uns nascem, outros morrem, mas agora, na his­tória do João tinha acontecido a parte mais ale­gre. Tinha acontecido um nascimento e de um filho seu.
Estava muito feliz.

Ana II


A hora de nascer foi complicada. Posso-me gabar do dia em que nasci pois se tinha que, nesse momento, haver força e vontade, fui eu que a fiz e que a tive. A minha mãe ou não as tinha ou não as queria ter mas eu, eu queria nascer. E no dia 28 de Abril de 1951 travei a primeira luta que me fez chorar, chorei pela primeira vez, mas de vitória.
Comigo chorou meu pai, encantado pela sua menina, que era sua e da mulher que amava.

A menina teve uma infância de cidade, vulgar, sem história, sempre cumpriu com aquilo que lhe era pedido.
Foi sempre criada pela avó, pois os pais continuavam a sua vida de trabalho, só os via à noite e aos fins de semana. E esta avó soube sê-lo, não só avó, como criança amiga, como mãe.
Fui feliz na minha infância, era o centro das atenções, filha única, neta única, sobrinha única. Um tesouro.
O liceu começou, o estilo de vida mudou, os horários eram diferentes, os interesses também, assim como as companhias e a menina mulher despertou. Vi o espelho. Entrei em comparação com as colegas com quem lidava. Onde estava a beleza da juventude? Onde estava a elegância da mocidade? Nunca houve, nunca existiu. Não era bonita, nem elegante.
Comecei a reparar nas conversas que me rodeavam:
- Já não sei o que hei-de vestir a esta rapariga. Tudo o que usa lhe fica mal. Assim que veste as coisas ficam todas sem graça.
Então era verdade. Eu era um aborto! Tornei-me reservada. Só me sentia bem entre aqueles que me acarinhavam. Tão poucos! Amigos, nunca tive. Porquê? Não sei. Senti-me, pela primeira vez, muito só.

A vida foi passando, até que um dia, quando eu tinha 14 anos, surgiu um acontecimento na família: um primo casava. Eu ia assistir a um casamento.
A escolha das fatiotas já foi uma luta, como é de calcular. Calcei os meus primeiros sapatos de salto e as primeiras meias de seda. Vi o espelho, pela segunda vez e aí fui eu que não gostei.
O casamento fez-se. Dizia a família que o casamento era desigual, os meios sociais dos noivos eram diferentes.
Nesse dia aconteceu uma coisa que mudou a minha vida: conheci um rapaz que era convidado da noiva e, de todos os convidados, fomos os únicos que nos juntámos. Nunca tinha falado tanto, nunca tinha ouvido tanto, nunca tinha sentido tanto.
O tempo passou, o dia acabou e a festa também mas, a vida continuou.
Um dia, ia a sair do liceu e o rapaz lindo estava à minha espera. Para quê? Porquê? Era desenhador na ponte e como eu lhe tinha dito que adorava a Natureza ela vinha-me oferecer umas estalactites que tinha encontrado numas grutas quando andavam a fazer as fundações para a construção.
Acompanhou-me até casa. Todo o caminho conversámos de coisas banais, dando a conhecer toda a nossa ingenuidade. A conversa foi agradável, houve vontade de repetir, surgiu o prazer de estar, ao fim de algum tempo, surgiu a necessidade de manter e aí começou o namoro. Os anos passaram, a tropa acabou e sentimos necessidade de ficar e o casamento fez-se.
Foi agradável sentir-me importante, foi bom sentir-me querida. Era feliz por saber que conseguia excitar alguém. Só eu sabia, só nós conhecíamos essa parte da nossa vida e, ao fim de três anos de casamento, a prova para o mundo surgiu: Eu ia ter um filho, eu conseguia criar vida, não sozinha, claro, mas com o homem mais lindo que eu tinha conhecido em toda a minha vida e que tinha casado comigo, não sei como nem porquê, mas ele dizia que sabia.
Foi a época mais feliz da minha vida. Trazia um filho comigo, já havia muita ternura para ele, já conversávamos os dois, por pequenos gestos, por pequenas emoções, por grandes pensamentos.
Amanheceu o dia em que nasceu. Que alegria! Que beleza! Eu ia mostrar ao mundo aquilo que mais adorava na vida.
Foi dos momentos mais lindos de toda a minha vida.
Nasceu um rapaz são, e belo como o pai. Tanta ternura, tanta alegria, tanta felicidade! Era mãe!
A nossa vida a três começou e foi óptimo. O companheirismo continuou, a amizade também mas, surgiu a cumplicidade (pensava eu) para a criação do nosso filho.
Cresceu saudável, continuou lindo mas, a cumplicidade que pensava existir entre mim e o pai surgiu entre pai e filho. As coisas apareciam ao mais leve pedido, não se compravam coisas, gastava-se dinheiro para satisfazer o mais pequeno desejo de seu filho. E eu, senti-me só, pela segunda vez na minha vida.
Lutei contra a sensação para que ela não passasse a certeza. Quis abafar a suspeita mas o tempo não parava, o tempo não perdoava. E um dia, quando o nosso filho, tradicionalmente, precisava mais do pai, mais precisamente, no ano em que o nosso filho fez 12 anos, o pai morreu, e eu senti-me só pela terceira vez na minha vida.