23 de abril de 2009

Aparências

Esta imagem que aqui vos apresento é a carta da justiça do Tarot Manara e, para mim, representa de um modo muito claro a ideia que eu vou tentar transmitir.
Como as pessoas têm tendência a fazer as suas interpretações só por aquilo que vêem...
Esta situação foi apresentada durante uma aula de Psicologia, há uns largos anos atrás:
"Miguel é um artista, de boa aparência, 33 anos de idade."
Eis a seguir, como foi percebido um episódio da vida de Miguel, por diferentes pessoas:

- RELATO DA MÃE:
"Miguel levantou-se correndo, não quis tomar o pequeno almoço, nem ligou para o bolo que eu havia feito especialmente para ele. Só apanhou cigarros e fósforos. Não quis pôr o cachecol que eu lhe dei. Disse que estava com pressa e reagiu com impaciência aos meus pedidos para se alimentar e se abrigar. Ele continua sendo uma criança que precisa de atendimento, pois não reconhece o que é bom para si próprio".
- RELATO DO MOTORISTA DO TÁXI
"Hoje, de manhã, transportei um sujeito e não fui muito com a cara dele. Estava de cara amarrada, seco, não queria saber de conversa. Tentei falar sobre futebol, sobre política, sobre o trânsito e sempre me mandou calar a boca dizendo que tinha que se concentrar. Desconfio que ele é um fulano subversivo, desses que a polícia anda à procura, ou um desses sujeitos que assaltam motoristas de táxi para roubar. Aposto como estava armado. Fiquei desejando livrar-me dele.
- RELATO DO EMPREGADO DA DISCOTECA
"Ontem à noite ele chegou aqui acompanhado de uma morena, bem bonita por sinal, mas não lhe ligou nenhuma. Passou o tempo todo olhando para tudo o que era mulher que chegava. Quando entrou uma loira de vestido colante, chamou-me, queria saber quem era. Como eu disse que não conhecia, não teve dúvidas: foi até à mesa dela puxar conversa. Eu disfarcei e passei perto e só pude ouvir que ela marcava um encontro às 9 horas da manhã, bem nas barbas do seu acompanhante! Sujeito peitudo! Eu também dou as minhas voltinhas mas, essa foi demais...
- RELATO DO PORTEIRO DO EDIFÍCIO
"Ele não é muito certo da bola, não. Às vezes cumprimenta, às vezes finge que não vê ninguém. As conversas dele a gente não entende. É parecido com um parente meu que enlouqueceu. Esta manhã chegou até a falar sozinho. Eu dei bom dia e ele olhou-me com um ar estranho e disse que tudo no mundo era relativo, que as palavras não eram iguais para todos, nem as pessoas. deu-me um puxão na gola e apontou para uma senhora que passava e disse que, cada um que olhava para ela via uma coisa diferente. Disse também que, quando ele pintava um quadro, aquilo é que era realidade. Dava risadas. Está na cara que ele é lunático.
- RELATO DA MULHER A DIAS
"Ele anda sempre com um ar misterioso. Os quadros que ele pinta a gente não entende. Quando ele chegou esta manhã, olhou-me meio enviesado e eu tive o pressentimento de que ia acontecer alguma coisa ruim. Pouco depois, chegou a moça loira. Ela perguntou-me onde é que ele se encontrava e eu disse. Daí a pouco eu ouvi-a gritar e acudi correndo. Abri a porta de repente e, ele estava com uma cara furiosa olhando para ela, cheio de ódio. Ela estava atirada para o divã, e no chão tinha uma faca. E eu saí gritando: Assassino! Assassino!
- RELATO DO MIGUEL
"Eu dedico-me à pintura de corpo e alma. O resto não tem importância. Há meses que quero pintar uma Madona do século XX, mas não encontro uma modelo adequada, que encare a beleza, a pureza e o sofrimento que eu quero retratar.
Ontem, uma amiga telefonou-me dizendo que tinha encontrado a modelo que eu procurava e propôs um encontro na discoteca que ela frequentava. Eu estava ansioso por vê-la. Quando ela chegou, fiquei fascinado: era exactamente o que eu queria. Não tive dúvidas: fui até à mesa dela, apresentei-me e pedi para ela posar para mim. Ela aceitou e marcámos um encontro, no atelier, às 9 horas da manhã. Eu nem dormi como devia ser esta noite. Levantei-me ansioso, louco para começar o quadro, nem podia tomar o pequeno almoço de tão entusiasmado.
"No táxi comecei a fazer um esboço, pensando nos ângulos da figura, no jogo de luz e sombra, na textura, nos matizes...
"Quando entrei no edifício eu ia a cantar baixinho... O porteiro falou comigo e eu nem tinha prestado atenção. Aí eu perguntei: O que foi? E ele disse: "Bom dia. Nada mais do que bom dia". Ele não sabia o que aquele dia significava para mim, sonhos, fantasias, aspirações, tudo iria tornar-se realidade, enfim, com a execução daquele quadro. Eu tentei explicar-lhe. Disse-lhe que a verdade era relativa, que cada pessoa vê a mesma coisa de modos diferentes.
"Quando eu pinto um quadro aquilo é a minha realidade. Ele chamou-me lunático. Eu dei uma risada e disse: Está aí a prova do que eu disse; o lunático que vê em mim, não existe.
Quando eu subia as escadas, a mulher a dias veio espreitar-me. Não gosto daquela velha mexeriqueira.
"Entrei no atelier e comecei a preparar a tela e as tintas. Quando eu estava a limpar a paleta com uma faca, a campainha tocou. Abri a porta e a moça entrou. Ela estava com o mesmo vestido da véspera e explicou que passara a noite em claro, numa festa.
"Eu pedi que se sentasse no lugar indicado e que olhasse para o alto... que imaginasse inocentes sofrendo... que...
"Aí ela enleou-me o pescoço com os braços e disse que eu era simpático... Eu afastei-lhe os braços e perguntei se ela tinha bebido. Ela disse que sim, que a festa tinha estado óptima, que foi pena eu não ter estado lá, que ela sentiu a minha falta, que gostava de mim. Quando me enlaçou de novo, eu empurrei-a e ela caiu no divã e gritou.
Nesse instante a mulher a dias entrou e saiu berrando: Assassino! Assassino!
A loira levantou-se e foi-se embora chamando-me idiota.
"A minha madona..."

3 comentários:

Elektro disse...

As perspectivas que temos de nós e dos outros são únicas e muitas vezes não nos conseguimos compreender.
A comunicação é a chave da resolução de muitos problemas.
A questão é que para comunicar as pessoas têm de estar em sintonia. De conseguir entender o outro. E isso nem sempre é possível. Ainda menos se a pessoa está ensimesmada. Esta história ilustra bem isso e ilustra bem o isolamento da sociedade urbana!

Obrigado por partilhares! ;)

Ana Paula disse...

Obrigada por deixares a tua opinião. Sabe muito bem sentir que não se está a escrever só para nós lermos.

Aparece sempre que queiras.
Ana Paula

Anónimo disse...

Olá ..antes de mais parabens pelo blogue e pela partilha que graças á tecnologia a todos os cantos do mundo chega .
Na verdade pertilhar é mesmo o melhor que podemos fazer e com a partilha aprendemos sempre um pouquinho mais ...
E quanto aos kilinhos a mais há-de haver uma razão, eu penso assim em relação a isso , na verdade é isso que nos faz quem somos não é ??
beijinhos de muita luz ...por favor não deixe de partilhar gosto do que escreve !!!