Conta-se que, há muitos, muitos anos, existia em certo local do Oceano Atlântico o mais maravilhoso de todos os países do mundo: a Atlântida.
Segundo a narrativa de Platão, a Atlântida que coubera inicialmente em partilha a Poséidon, devido aos amores deste deus com a mortal Clito, foi depois dividida pelos dez filhos de ambos. Destes passaram aos seus descendentes até que os seus reis tiveram a ideia de conquistar o mundo.
Diz-se mesmo que o último desses reis chegou a desafiar os Céus.
- Sim! Que podem os Céus contra nós?... Que pode o mundo contra nós, que somos os reis da Atlântida? Nós temos o poder dos deuses!
E conforme se diz também, nesse instante o rei escutou uma voz que ecoava dentro de si próprio e lhe dizia:
- Enganas-te! Não há homem algum que tenha o poder de Deus!
Espantado, intrigado e furioso, o rei da Atlântida olhou em redor de si sem nada ver.
- Quem fala? Quem se atreve a erguer a voz na minha presença, sem me pedir autorização para tal?
- É Deus que te fala, mesquinho rei da Atlântida, homem frágil e meu servo.
- Deus? Mas qual dos deuses?
- O único Deus que existe!... O criador da vida e da morte!
- Pois, a esse tal deus que me fala, seja ele qual for, desafio-o a que se oponha aos meus planos!... Eu não tenho medo... Eu sou o rei da Atlântida, o mais poderoso império de todos os impérios!... Tenho fortuna e forças suficientes para esmagar o mundo! E para começar vou submeter e esmagar o poder de Atenas!
- Atreve-te rei tolo e ambicioso... atreve-te e verás o resultado!...
Não se intimidou o rei da Atlântida. Mandou que se formassem os seus exércitos prontos para a grande batalha.
- Se vencermos o poder de Atenas, o mundo será nosso! Ninguém mais se atreverá a erguer-se na nossa frente!... Nem os próprios deuses ousarão tal... Portanto, guerreiros que me escutais, segui os vossos chefes, tal como os vossos chefes me seguirão, e a vitória será nossa!
Assim se travou - conforme nos conta ainda Platão - a espantosa batalha entre os povos do Ocidente das Colunas de Hércules, comandados pelo rei da Atlântida, e os povos de Leste chefiados por Atenas.
No meio da refrega, porém, surgiu a mesma voz que se sobrepôs ao fragor da luta:
- A vitória será de Atenas para que os reis da Atlântida sofram uma terrível lição. Atlântida desaparecerá para sempre e o seu nome há-de ficar, pelos séculos dos séculos, como o símbolo da grandeza destruída por sua própria culpa.
E na verdade os guerreiros da Atlântida foram derrotados pelos guerreiros de Atenas. E à derrota sucederam-se terríveis terramotos e fantásticas inundações. Num só dia e numa só noite, o que fora o esplendoroso e incomparável reino da Atlântida desapareceu por completo, engolido pelas águas do Oceano.
Muitíssimos anos passaram sobre esse dia...
Até que, certa vez, bastantes séculos depois da morte de Jesus Cristo, sua Mãe, Virgem Maria, debruçava-se lá dos Céus, sobre o Oceano que se estendia a seus pés. E, junto dela, passou um santo ainda jovem. Vendo-a tão absorta, o Santo parou e perguntou:
- Senhora, que estais a ver com tanto interesse?...
A Senhora Mãe de Jesus ergueu o seu olhar doce:
- Ah! Sois vós, Silvestre?
- Sou eu sim, Senhora... Perdoai-me mas vinha à vossa procura... à procura dos vossos conselhos...
- Que vos preocupa, Silvestre?
- Senhora, esta é a minha noite...
- Bem sei... é a última noite do ano.
- É por isso mesmo, Senhora... É por isso mesmo que vos desejo falar.
- Eu... Eu tenho pensado... enfim... acho que esta última noite do ano... a minha noite... devia significar para os homens, lá em baixo, mais alguma coisa do que tem significado até agora...
Uma interrogação muda transpareceu no rosto da Senhora dos Céus. E o Santo ajuntou, já mais à vontade:
- Pois bem, Senhora... se me permitis... julgo que esta noite poderia marcar uma fronteira entre o passado e o futuro... Ou seja, poderia servir para os homens se arrependerem dos erros cometidos e prometerem a si próprios esperança de melhores dias.
A Virgem aprovou com um leve inclinar de cabeça.
- Acho muito boa ideia...
E logo entusiasmando-se mais, São Silvestre completou o seu pensamento:
- E vem a propósito, não achais, Senhora? Antes realiza-se a festa do Natal, a festa de Jesus, Vosso Filho... Depois... bem, depois viria a festa do Fim do Ano... a festa da minha noite, como chamada de atenção à consciência dos homens.
- Dizeis bem, Silvestre!... Cada vez mais, a consciência dos homens precisa de ser vigiada. Ainda há pouco, quando chegaste, estava eu a olhar lá para baixo...
- Eu bem vi, Senhora... E parecíeis tão triste...
Houve um breve silêncio. Depois, a Virgem perguntou:
- Sabeis o que estava a observar nesse momento, Silvestre?
- Não sei, Senhora, não...
- Pois estava a relembrar o fausto e a beleza maravilhosa dessa ilha chamada Atlântida, que Deus fez afundar para castigo dos pecados sem fim dos seus habitantes e como aviso à soberba dos homens.
Dos olhos da Senhora tombaram lágrimas puras de tristeza.
- Mas, afinal, eles não se emendaram!... Silvestre, eles não se emendaram!
Emocionado, o Santo olhou-a melhor.
- Chorais, Senhora?
- É o coração que chora nos meus olhos, Silvestre! São lágrimas por misericórdia dos homens!
Num sobressalto de júbilo, São Silvestre, exclamou:
- Não são apenas lágrimas, Senhora... São pérolas... São autênticas pérolas que caem dos vossos olhos!...
E, nesse mesmo instante, tal como se perpetua na tradição popular, uma das lágrimas de Nossa Senhora deslizou lá dos Céus e foi cair sobre o próprio local onde desaparecera a maravilhosa Atlântida.
- Senhora, olhai!... Olhai!... Uma das vossas lágrimas caiu no oceano... E que bem fica ali no meio das águas... Uma pérola, uma pérola verdadeira, Senhora, a crescer, a tornar-se cada vez maior e mais bela... A Pérola do Atlântico!
E, deste modo, tal como se enraizou na alma do povo madeirense, nasceu a ilha da Madeira, e daí lhe vem o sobrenome.
Diziam os antigos que, noutros tempos, na noite de São Silvestre, quando batiam as badaladas da meia noite, erguia-se nos ares a visão surpreendente de um cortejo de maravilha, cheio de luz e de cores fantásticas e que deixava atrás de si um perfume estonteante...
No rodopio dos anos, este cortejo mágico da meia-noite desapareceu. Mas em seu lugar os homens criaram as festas de fim de ano na Madeira - a já internacionalmente famosa Noite de São Silvestre com o seu fogo de artifício que mais não é do que a evocação dos fascinantes sonhos antigos...
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